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Mundo Segundo e Sam The Kid em entrevista
Sam The Kid e Mundo Segundo são nomes maiores do hip hop nacional, e preparam-se para lançar um muito aguardado álbum conjunto. Antes disso, a ponte Chelas-Gaia faz-se em palco, e os rapper atuam no festival Hip Hop Sou Eu, no Coliseu de Lisboa. Antes disso, e com o single «Tu Não sabes» fresquinho, fomos falar com eles.
MYWAY: Da última vez que falei com o Mundo, tinhas-me dito que o vosso disco conjunto estava a meio. Em que fase é que está agora?
Mundo Segundo: Está a 70%…estamos a tentar procurar as últimas sonoridades para a última parte do disco, digamos assim.
MYWAY: Vocês já se conhecem há muitos anos, e já tinham trabalhado juntos, mas nunca num projeto próprio. O que estão a criar agora é uma mistura dos dois, ou é uma nova sonoridade?
Sam The Kid: Bem, nova não. É uma mistura dos dois, que acaba por ser nova para nós, mas não estamos a inventar a roda. É nova porque…sei lá, eu posso apresentar uma ideia, e ele depois acrescenta alguma coisa. Nós não costumamos trabalhar assim. Ele faz os beats dele sozinho, eu faço os meus sozinhos. Aqui eu mexo nos beats dele, ele mexe nos meus beats, mas não estamos a fazer um novo género.
MS: É um aperfeiçoar daquilo que fazemos juntos há muitos anos, basicamente.
MYWAY: O facto de trabalharem juntos há muito tempo facilitou a tomada de decisões agora?
MS: Sim e não. Nós somos muito críticos em relação ao que fazemos, e às vezes passamos muito tempo a discutir um tema, depois achamos que aquilo não tem pernas para andar, e acabamos por deixar de lado. Desse debate de ideias conseguimos sempre por encontrar um fio condutor que nos une aos dois, ou seja, num beat, concordar naquilo que queremos escrever ali.
MYWAY: O que é que vos levou, ao fim de tanto tempo, a fazerem um trabalho conjunto?
STK: Nós já tínhamos feito uma primeira tentativa no final de 90, princípio de 2000, gravámos três maquetes ou isso, e sempre foi uma coisa que estava na gaveta. Se calhar foi da primeira pessoa com quem houve essa ideia de fazer um álbum em conjunto. Depois houve um soundclash que a gente andou aí a fazer, umas batalhas de beats em que eu o convidei, o facto de estarmos juntos mais vezes, novamente, fez com que fizesse mais sentido agora. Também porque estamos melhores a rimar, e nos beats. Acho que se tivesse saído naquela altura não seria tão bom como agora.
MYWAY: É fácil para vocês fazer avaliação?
MS: Sim, bastante! Basta sentarmo-nos e ouvir a obra em retrospetiva para perceber o aperfeiçoar da rima, e da estética dos beats, essas coisas todas.
MYWAY: Uma música deste trabalho, e que já tocaram ao vivo chama-se «Gaia e Chelas». Sentem que há uma diferença de movimentos de hip hop nas várias zonas do país?
MS: Sim, existe, o que torna característica cada zona é o próprio calão. Em Chelas fala-se um calão, em Gaia fala-se um calão diferente, e é interessante, dentro do mesmo universo que é o hip hop haver realidades da língua que são diferentes, mas que ao mesmo tempo são muito parecidas. Dentro da mesma língua, palavras diferentes querem dizer a mesma coisa.
STK: Por acaso é engraçado, que os miúdos do meu bairro têm uma noção de que o pessoal lá no norte «curte mesmo mais o hip hop». Uma coisa que digo como observador, é que em geral a cultura em si, as várias vertentes, já desceu, estamos todo na mesma festa , mas no Porto ainda se consegue presenciar um pouco esse espírito que já deixou de se sentir em outras zonas do país.
MYWAY: O que é que podemos esperar da atuação no Coliseu de Lisboa?
MS: Vai ser um concerto carregado de clássicos, coisas antigas, e coisas mais recentes das nossas carreiras a solo. Ainda só vamos desvendar um pouquinho do novo disco, e podem contar que vamos cantar o novo tema, «Tu Não Sabes», além do «Gaia Chelas». Vai ter alguns convidados à mistura, também…
MYWAY: Este concerto vai ser uma celebração do hip hop, com muitos nomes, e há vários artistas do género que chegaram ao mainstream. Sentem que o hip hop está no auge?
MS: O hip hop é feito de altos e baixos. Já tivemos esta fase com o Boss AC, depois houve uma fase que o Sam também esteve em alta, também houve a fase Mind Da Gap, a fase Dealema, a fase Regula…depois, de certa forma, a coisa volta a desaparecer. Acaba por ser um ciclo que se repete de x em x tempo. Para nós não é novidade nenhuma, já sabemos que faz mesmo parte estes altos e baixos. O auge que tem agora se calhar já teve há cinco anos, ou há dez. A única diferença é que com a Internet é tudo mais rápido, e as pessoas conseguem obter informação de forma mais rápida, e isso faz com que haja mais pessoas a consumir.
MYWAY: Achas que por causa disso a mudança de ciclo também vai ser mais rápida?
MS: Acho que sim, quando nós consumíamos um álbum, andávamos a ouvi-lo três ou quatro meses. Ouvias as músicas até as saberes de cor. Hoje em dia, fazes o download do mp3, ouve uma ou duas vezes o álbum e depois encosta. Se calhar já são poucas essas pessoas que têm a fome de consumir um álbum, e dissecá-lo. Acho que essa é uma grande diferença, mas eu – e acho que o Sam também – continuamos a ter essa fome de dissecar discos, procurar os bons discos e perceber qual o conteúdo das rimas, qual o conteúdo dos discos, porque é que foi gravado daquela maneira, porque é que tem aqueles convidados. Acho que é também uma coisa que tentamos passar às pessoas, educar as pessoas que o hip hop é muito mais do que só ouvir uma música. Dentro de cada música existe um monte de universos, e é preciso ter um conhecimento para trás para às vezes perceber rimas que estão a ser feitas hoje em dia. Se não tivermos esse conhecimento de raíz, metade das linhas passam-nos por cima da cabeça.
MYWAY: Os samples também ajudam a ensinar essa história…
STK: A cena é que em cada moda há uns que ficam e continuam fãs, e há outros que deixam de ser fãs, e associam isso a uma fase da adolescência. Da mesma forma que há artistas que estão em alta e depois deixam de estar, ou como há certas músicas que passado um tempo não são tão eternas. Hoje em dia também há públicos para todos os estilos. Se calhar um público da Capicua não se cruza com o público do Dengaz. Já existe muita variedade. Eu posso ser realista, otimista, ou pessimista. Podemos dizer que o hip hop está em alta, mas que hip hop? É o hip hop da cultura, tradicional, aquele que não facilita? Ou é aquele que passa na rádio? Mas pronto, eu aplaudo a essa variedade toda. Seja com samples, seja com sintetizadores – que é uma vaga nova – desde que soe bem…olha, eu às vezes faço DJ Sets. Às vezes há aquele DJ que está mesmo no prime-time e tem de pôr a pista a rockar, e eu gosto de ser mais aquela pessoa que abre e pode ter quase a função de educar. Não gosto de ter essa responsabilidade de pôr as pessoas todas a dançar. Isto é para te dar um pequeno exemplo, e para dizer que são necessários os dois. Há momentos para tudo na vida.
MYWAY: Vocês a partir de agora vão concentrar-se neste disco ou já estão a preparar coisas a solo, e com Dealema também?
MS: Neste momento estou preocupado em acabar de escrever este disco (risos). Continuo sempre a fazer beats e a preparar coisas novas, mas não na parte escrita. Na escrita estou mesmo focado em acabar isto, estamos em missão de acabar este disco, e isso é uma prioridade.
STK: Eu é a mesma coisa…mas ele até está a mentir (risos) ele está sempre a preparar coisas novas! Eu também, mas um bocadinho menos.