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Reverence Festival Valada: 28 e 29 de agosto

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Reverence Festival Valada: 28 e 29 de agosto

Quando na manhã de sexta, o sol abrasador espreitou pelas fissuras das tendas montadas no Parque de Merendas de Valada, erguemo-nos forçosamente de um sono restaurador das baterias do dia anterior. Num dia normal, esta alvorada seria um flagelo, mas neste caso a boa disposição era quase inevitável: eis que estava a começar o segundo dia do festival, desta vez com a abertura do principal Palco Reverence e do distante mas não menos importante Palco Praia. Era curta a distância entre o recinto do campismo e a praia fluvial de Valada do Ribatejo e um enchente de festivaleiros montou o seu estaminé no limitado areal, mais à procura de descanso do que propriamente mergulhos num rio cuja profundidade era duvidosa.

Às 14h da tarde já a Palavra da música começava a ser pregada pelos Bom Marido, estreantes do Palco Praia, mas foi às 16h50 que Stoned Jesus, um dos nomes mais ouvidos na boca dos transeuntes do recinto, se fizeram ouvir. Com uma base sólida de fãs à sua espera, o trio ucraniano surgiu com uma atitude brava e valente para tão pequeno palco e deixaram no ar a dúvida se não resultariam melhor no Palco Reverence. Os rasgos eletrizantes das guitarras, em «Electric Mistress», agitaram as ondas de calor num concerto que durou quase uma hora e cedeu a qualidade de um rock progressivo, sempre com um psicadelismo ligeiramente stoner. Igor Sidorenko, o vocalista, dedicou «Red Wine», dos primeiros temas da banda, às senhoras da plateia. «Indian» teve direito a uma introdução em guitarra de «Invaders Must Die», um dos maiores hits dos Prodigy. O resultado foi brilhante, até porque o público saltou imenso após o reconhecimento da versão do tema da banda veterana dos anos 90 que tão bem continua a cultivar o big beat. «I Am The Mountain», o maior sucesso dos Stoned Jesus e tema do antepenúltimo álbum, arrecadou palmas e ovações ao início mas foi «Here Comes The Robots», o último single da banda, que sacudiu as figuras minimamente hirtas e deu a ordem ao movimento corporal. Para um concerto numa hora tão prematura de um festival que termina a música com o nascer da maior estrela, os Stoned Jesus conseguiram uma grande dedicação e apoio. Esperemos que regressem brevemente para um espectáculo a solo.

Os Black Rainbows vingaram no palco escondido, que se situava na clareira mais acolhedora. Às 21h10, muito foi o espanto desencadeado pelos italianos do psych-fuzz, cujo espectáculo convenceu boa parte do público a não sair para ir espreitar os Alcest (cabeça de cartaz no palco Reverence). O stoner de garagem, com pitadas do hard-rock dos anos 70 e barrado por um baixo surpreendente, enfeitiçou um público que pouco se moveu para absorver concretamente uma das maravilhas do mundo que era o cartaz. «It’s a f*cking festival!», bradou Gabriele Fiori a antecipar o fim do concerto. Ficámos fãs.

Às 23h em ponto já a multidão enchia o espaço do Palco Reverence a aguardar Jon Spencer Blues Explosion, que vieram agitar as águas com uma explosão de rockabilly. Os nova-iorquinos, que contam com mais de 20 anos de carreira, partiram numa viagem de décadas do rock dançável, com temas que aplicavam uma metamorfose sonora (sempre com o blues presente) chegando a começar num punk rockabilly e a terminar em sacudidelas de hip hop. Como um disco de vinil estragado, a expressão «Blues Explosion» fixou-se, de forma saliente, na nossa memória: Jon Spencer, vocalista e anfitrião da atuação, fez questão de repetir «Blues Explosion is still number one» entre as músicas. Num cenário completamente diferente do que o cartaz do Reverence nos apresentou, durante a festa dos Blues Explosion celebrou-se a crueza do funk com uma azáfama risonha. «Chicken Dog», o sucessor da fantástica introdução, livrou as presenças de qualquer tipo de tensão. «Senhoras e senhores, eu quero rock’n’roll. Estão comigo? Ponham as mãos no ar!», puxava Jon Spencer pelo público. A noite resfriou, atenta aos nossos pedidos. A explosão de blues causou, literalmente, uma brisa de ar fresco.

A fechar o palco principal pelo segundo dia, quase a esgotar o merchandising oficial de t-shirts e a marcar posição já desde o seu anúncio como cabeça de cartaz, os Sleep arrastaram consigo o stoner tranquilizante e ludibriante durante 1h45 de concerto. «Dopesmoker», um álbum que contém uma faixa com o mesmo nome e 63 minutos de duração, foi quase tocada na íntegra. «From Beyond» transportou-nos de arrastão para o submundo com um peso soporífero do qual foi difícil regressar. A malta mais madura e devota ao metal concentrou-se em força nas primeiras filas para beber o som da banda da Califórnia. Vénias para os Reis, que nos subjugaram ao seu poder com sedativos sonoros, mas não nos impediu de aproveitar a festa dos outros palcos até de manhã.

No último dia escorremos suor por todos os poros, tal era o calor. Entre idas e vindas à vila para fins de abastecimento alimentar num dia que tinha que ser bem aproveitado, ouvia-se a música do Palco Rio e do Palco Praia. No entanto, o MYWAY posicionou-se na abertura do Palco Reverence, às habituais 18h00, para ver os portuenses 10000 russos. Pela 2ª vez no Reverence, o trio fez magia com o seu rock’n’roll sustentado em distorções massivas a tombar para o lado negro, com a fluidez da narrativa de uma história de ficção científica. Difíceis de digerir, os 10000 russos mostram não querer saber se atraem ou não o público e afirmaram, numa entrevista: «só fazemos isto para nós». A tocar para dentro ou não, ao vivo é impossivel desgostar do que se vê quando há identidade.

Às 23.30h fez-se história e interiorizou-se a lição: «Velho não é morto». A frase, captada num autocolante estampado na guitarra de John Weinzierl, guitarrista dos Amon Düul II, descreveu perfeitamente o que vimos na seguinte hora. O grupo de veteranos do krautrock alemão dos anos 70 impôs respeito e deu um «baile» às anteriores atuações, com um concerto repleto de majestosidade e versatilidade musical. Uma verdadeira lição da banda que não lança trabalhos novos desde 1995. A voz de Renate Knaup-Kroetenschwanz, aliada aos guitarristas John Weinzierl e Chris Karrer (também violinista) e a dois bateristas provaram que o rock com rugas no rosto de tanta idade e luta sabe ainda melhor ao vivo. «Green Bubble Raincoated Man» foi a mais introspetiva da noite, «All The Years Round» recebeu um solo de guitarra estrondoso, «Paralized Paradise» trouxe o psicadélico mais esquizofrénico de sempre. Porém «Surrounded By The Stars» superou qualquer outro tema do alinhamento, com beleza da sua estética musical e a combinação do violino frenético perto do final do tema. Aprendemos a lição do festival com estes senhores, embrenhámos numa ilusão simpática e nem os sintetizadores dos aguardados The Horrors nos fizeram esquecer aquela hora.

Afinal, houve menos público nesta edição do Reverence. Mas mais que números, sentiu-se a noção comum de comunidade e lealdade para com a música. Já se ouvem por aí as apostas, feitas pelos mais impacientes, de nomes possíveis para a próxima edição. O Ribatejo ganhou mais cor e Valada já não é «só mais uma vila», mas um começo de um vínculo, um campo de memórias de dias de desvario, uma parte de nós.

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