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A Jigsaw: «Queríamos fazer um álbum ainda mais negro»
Em «No True Magic», os A Jigsaw dão vida à morte. O novo álbum, estudado para ser «ainda mais negro» do que o anterior «Drunken Sailors & Happy Pirates», João Rui explora, com a sua voz carregada, sussurrada (e a saber a Leonard Cohen), a ideia da «imortalidade e da suspensão da mortalidade». As sonoridades, essas fazem-se tristes, profundas e bem ritmadas pelos seus muitos instrumentos: viola, violino, contra-baixo, banjo, violoncelo, harpa, trompa, metalofone, melódica piano acústico e eléctrico, melódica…
Cinco anos e quatro discos depois, como é que definem os A Jigsaw?
João Rui: Talvez como um vinho envelhecido, ou uma boa aguardente envelhecida, que necessitou de todos aqueles anos da experiência de estar em contacto consigo próprio, – daí aquele equilíbrio entre nós os dois – que necessitou desse tempo e da experiência desses anos para conseguir chegar ao álbum que é hoje, que nunca o conseguiríamos fazer há cinco anos atrás.
Portanto, este «No True Magic» surge como uma continuidade do vosso trabalho anterior ou como uma nova etapa no vosso percurso musical?
João Rui: Todos os álbuns acabam por ser sempre novas etapas, e ao mesmo tempo continuações, porque continuamos dentro do formato conceptual: criámos um conceito muito específico e diferente dos anteriores, como fazemos em todos os álbuns, e é esse conceito que nós tentamos servir neste álbum. Há uma etapa nova e um distanciamento em relação ao anterior porque, no anterior, a nossa formação era o Jorri e a Susana Ribeiro, e neste álbum não temos a Susana Ribeiro como membro da banda. Ela participa no single «Black Jewelled Moon», mas este é o primeiro álbum em que sim, estamos como duo.
Jorri: Quando começámos os A Jigsaw éramos um quarteto, depois passámos a um trio, embora esse trio tenha vindo a mudar, esse «terceiro elemento» foram outras pessoas e eu e o João estivemos sempre envolvidos na composição de A Jigsaw, mas tínhamos sempre outros parceiros, traziam o cunho deles também, que foram importantes para a identidade de A Jigsaw. E pela primeira vez estamos só os dois e isso também acaba por ser um desafio. Estamos restritos a nós os dois e a tudo o que de bom e mau isso traz.
«O ‘No True Magic’ é uma metáfora para o fim da recordação momentânea de que somos mortais…»
E a temática deste álbum prende-se com a «imortalidade e a suspensão da mortalidade». Que importância é que têm estes conceitos e como é que os aplicam ao álbum?
João Rui: Mais simples ainda é dizer que isto é um álbum acerca da morte. Nós queríamos fazer um álbum ainda mais negro do que o «Drunken Sailors & Happy Pirates». E já nessa altura tínhamos dito que íamos escrever o nosso álbum mais negro, e quando o terminámos, decidimos: ‘Vamos ainda mais fundo, ainda há onde ir’. Neste caso decidimo-nos pela suspensão da mortalidade ou a aceitação dos termos dela. Em termos mais simplificados será a nossa suspensão voluntária do nosso julgamento em relação à implausabilidade de uma determinada narrativa. E essa narrativa é a nossa imortalidade. E nós temos de suspender, e vamos suspendendo a todos os momentos o nosso julgamento, e vamos esquecendo que somos mortais. Porque senão não estaríamos aqui a dar esta entrevista. O conhecimento a todos os momentos desse facto, desse peso, iria tolher-nos os movimentos. Então é isso que nós fazemos. Esquecemo-nos disso. E vamos alimentando uma ilusão e essa ilusão acaba por ser a nossa imortalidade. O «No True Magic» é uma metáfora para o fim disso, da recordação momentânea de que somos mortais… e que não existe essa magia, esse milagre onde nos refugiamos. As canções, o que elas fazem, cada uma delas, construídas como conjunto – porque elas só fazem sentido conjuntamente dentro deste álbum – é servir fielmente essa ideia, esse conceito.
E como é que fazem as escolhas destas temáticas? Há uma procura prévia ou é uma coisa que acontece durante a composição?
João Rui: isto é uma coisa que surge antes de tudo, antes sequer de eu escrever uma palavra, antes de o João pegar em qualquer instrumento. Não nos faz sentido, enquanto A Jigsaw, porque é o que nós fazemos, não faz sentido estar a compor por compor. Para quê?
Jorri: Embora nenhum de nós nunca tenha realizado ou filmado um filme, mas será um bocado como um realizador pensa. Ele não pega na câmara e começa a filmar antes de saber o que vai filmar, antes de ter um argumento ou antes que ele esteja finalizado, antes de saber quem são as personagens ou quem vão ser os actores…
«Talvez naquele momento sejamos os artistas favoritos deles e eles o nosso público favorito»
E porquê e os três anos necessários para terminarem este disco?
João Rui: Porque o «Drunken Sailors & Happy Pirates» foi um álbum demasiado extenso. Nós sabíamos que o álbum ia ter 12 canções, e isso não nos impediu de gravarmos 32. E como nunca poderíamos aproveitar essas canções para um álbum seguinte – a menos que fosse um álbum de b-sides – nunca as poderíamos aproveitar, lá está, porque elas estão fechadas naquele conceito. Seríamos injustos se as fossemos usar noutro conteúdo qualquer. Então necessitámos também de espaço para deixar respirar o «Drunken Sailors & Happy Pirates», porque nós fomos editando as canções que não saíram no álbum saíram em singles.
E vocês, que não se resignaram aos palcos nacionais e andaram por aí em digressões europeias, como é que se estão a safar lá fora?
João Rui: Acho que nos estamos a safar bem.
Jorri: Sim… Pelo menos vamos voltando! Não somos barrados à entrada de nenhum país…
João Rui: Para já… Foi um processo que nós começámos em 2010, quando começámos a receber críticas muito positivas sem que nós tivéssemos feito nada para isso. Começámos a receber críticas tanto da imprensa nacional como da imprensa espanhola, italiana… Então nós decidimos apressar um pouco a ida – porque já era um plano que tínhamos de ir lá para fora tocar, mas queríamos que fosse um plano concertado – e em 2010 demos início a uma digressão por 12 países da Europa, foram cerca de 100 concertos que demos fora de Portugal nesse ano. Claro que o país onde nós vamos voltando sempre, não só por uma necessidade geográfica, mas também pelo carinho do público como os media nacionais, é a Espanha. Têm-nos apoiado e divulgado muito em Espanha e isso obriga-nos, obviamente, a voltar lá.
E quais é que são os vossos públicos favoritos?
Aqueles que nós sentimos que têm o coração bem aberto para ouvir as canções e para as receber da mesma forma que nós abrimos o nosso para lhes entregar as canções.
E não há aquele cidade em que pensaram «epa, foi espectacular»?
João Rui: Isso já é diferente. Aí já não estás a falar de um público, estás a falar de uma cidade.
Jorri: Nem é de uma cidade…
João Rui: É de um momento.
Jorri: Há concertos que nos marcam. Por tudo, pela envolvência, pelo público, pelo ambiente que é criado, nessa tal comunhão entre os músicos e o público. Mas não tem a ver com nenhum país ou nenhuma cidade. Um dos últimos concertos que demos com a Susana foi no CCB, aqui em Lisboa, que esgotou no Pequeno Auditório e foi uma noite mágica! Sentia que a energia que saía, e essa tal abertura do coração…
João Rui: Esse concerto é um público favorito, como os há em tantos outros.
Jorri: Se calhar o último momento – ou um dos últimos – foi em Espanha, o último concerto que demos em Espanha, demos no Teatro das Artes, em Madrid. Era um antigo teatro russo, uma sala lindíssima, tamanho que predispõe a que as pessoas estejam perto de nós, há todos esse calor humano, a sala estava cheia, já sabíamos que íamos ter a sala cheia quando saímos de Portugal, e à segunda ou à terceira música fazemos uma pausa para o João falar um bocado e introduzir um bocado a concerto, e quando disse que nós vínhamos de Portugal as pessoas levantaram-se e tivemos uma standing ovation, tudo a bater palmas. Nesse momento passou a ser o nosso público favorito.
João Rui: Sentimos que havia uma gratidão deles por estarmos ali, da mesma forma que há uma gratidão nossa de eles terem vindo e encontramo-nos ali no meio. Então talvez naquele momento sejamos os artistas favoritos deles e eles o nosso público favorito.