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António Chainho: «Parece-me um sonho olhar para trás e ver tanta coisa que fiz»

António Chainho
©Divulgação

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António Chainho: «Parece-me um sonho olhar para trás e ver tanta coisa que fiz»

Aos cinquenta anos de carreira, Mestre António Chainho lança «Cumplicidades», álbum que conta com convidados tão díspares como Ana Bacalhau, Hélder Moutinho, Vanessa da Mata, Pedro Abrunhosa, Rui Veloso, ou Fernando Ribeiro, dos Moonspell. O resultado subiu ao segundo lugar do top de vendas, e sobe agora ao palco do Centro Cultural de Belém. As histórias que cinquenta anos de carreira trazem são muitas, e nós fomos ouvi-las.

 

Como é que surge a ideia desta celebração dos cinquenta anos de carreira com vários artistas num só disco?

António Chainho: Há dois anos, o meu agente diz assim: «era bom que você gravasse um disco dos cinquenta anos», e eu respondi-lhe que não, já fiz tudo o que tinha a fazer com a guitarra, não tenho ideias e ele disse: «olhe que há muitos cantores que o admiram muito, e gostavam de fazer parte de um trabalho seu, portanto pense bem nisso, que vai ser interessante». Portanto, foi tudo assim!

 

MYWAY: Trabalhou, e volta agora a trabalhar, com vários artistas mesmo fora do fado. É a guitarra que se adapta à identidade deles, ou são eles que se adaptam sempre à identidade da sua guitarra?

António Chainho: Quando eu soube que eles admiravam o meu trabalho – tanto com o Pedro Abrunhosa, com o Rui Veloso, como a Sara Tavares – comecei a pensar numa música que se adaptasse a cada cantor. Se ouvirem o disco, vêm que me inspirei em cada cantor. Eu deixo sempre ao dispor dos cantores escolherem as pessoas que escrevem. Neste caso, o Pedro (Abrunhosa) escreve para ele, o Rui pediu a outro para escrever a letra, a Sara Tavares foi ela mesma que fez, tal e qual como o Paulo de Carvalho, e o Hélder Moutinho. Por exemplo, para o Hélder Moutinho fiz um «fado fado», porque ele é fadista, e eu em todos os meus trabalhos faço questão de ter um músico da área do fado. Comecei a ouvir o fado desde que me lembro de ser pessoa. Quando foi o «Guitarra e outras mulheres» trouxe vozes fora da área do fado, mas depois tinha de ter uma fadista, e convidei a Ana Sofia Varela para cantar. Neste trabalho, a mesma coisa. Pensei que o Hélder Moutinho era a pessoa ideal para cantar um Fado. Compus o fado, e quando estava com ele disse: «este fado podia ser cantado em balada», e ele disse: «gosto muito mais em balada, e já tenho aqui uma letra», e pronto, aproveitei.

 

Eu não libertei a guitarra do fado, só que entendi sempre que a guitarra portuguesa tinha de ser um instrumento como outro qualquer, adaptar-se a qualquer música

 

MYWAY: O mestre está a celebrar cinquenta anos de carreira, como é que evoluiu a sua relação com a guitarra?

António Chainho: Eu comecei a brincar com a guitarra tinha 6/7 anos de idade, porque o meu pai tocava um pouquinho de guitarra na aldeia – S. Francisco da Serra – só que a determinada altura o meu pai proibiu-me, porque a deixei cair. Passado um ano, comecei novamente a brincar, e ele viu que eu tinha muito jeito, mas como a guitarra era muito grande não tinha hipótese, tinha de a colocar deitada, e brincava com ela. Depois ele comprou-me uma «Requinta», que é uma guitarra mais pequena, e aí já conseguia pôr a guitarrinha como os guitarristas. Ele ensinou-me a base do fado, que é o Mouraria, o Corrido, e o Menor. Como meu pai tinha um café, a guitarra estava sempre em cima da mesa do bilhar, e os meus conterrâneos às vezes pegavam, e para se distraírem cantavam uns com os outros à desgarrada. A determinada altura, viram que eu já tocava esses fados, e lá estava até uma certa hora. Esse foi um período muito intenso, com um gosto pela guitarra incrível.

Aos 11 anos, começo já a tocar coisas que o meu pai não conseguia tocar, apesar de tocar bem o género antigo. Como eu tinha muito bom ouvido, tinha um «gravador» dentro da cabeça, e tentava descobrir como era. Quando deixo a escola, aí aos 11 anos – na aldeia ninguém tinha possibilidade de estudar, nem os ricos, quanto mais os pobres – comecei a sentir a minha evolução. Comecei a descobrir cada vez mais coisas, a ponto de aos 13 ou 14 anos já tocar as variações que ouvia na rádio. Fui evoluindo, e quando passavam pela minha terra os guitarristas que faziam digressões pela província e tocavam nas coletividades –de dois em dois anos – ouviam-me tocar, e perguntavam ao meu pai: «com quem é que ele aprendeu?» porque eles acompanhavam toda a minha evolução. Depois em determinada altura faleceu a minha mãe, eu tinha 15 anos, e eu estive um ano sem pegar na guitarra, porque na província parecia mal. Lembro-me perfeitamente que quando voltei a pegar na guitarra fiz ampolas nos dedos, foi uma paixão louca, e evoluí bastante, de forma que esses guitarristas nunca acreditaram que eu tivesse aprendido tudo à minha custa.

Quando venho a primeira vez em Lisboa, eu tinha para aí 19 anos lembro-me de ter estado na casa que era da mãe do Carlos do Carmo, o «Faia» e ter pegado na guitarra. O Alfredo Marceneiro estava lá, e disse: «o miúdo sabe tocar muito bem!». A partir daí, o meu nome ficou mais ou menos conhecido. Seguiu-se o serviço militar, e foi quando estive em Lisboa que um primo que eu tinha me levou pela primeira vez ao Café Imperial…começo a tocar, e levaram-me aos ombros, na loucura. Entre as pessoas que lá estavam, estava um senhor chamado Carvalhais, que foi como um segundo pai para mim, e nunca mais me largou. Só quando me ouvi pela primeira vez na «Rádio Graça» é que pensei que poderia ser guitarrista profissional. Em Moçambique, comecei a fazer programas de rádio, e quando regressei da tropa, fizeram-me uma homenagem na minha aldeia, e os fadistas nunca mais pararam de me telefonar para vir para Lisboa. Acabei por ficar (na Severa) aí por seis meses, e comecei logo a fazer programas de televisão. Aí comecei logo a contactar com grandes fadistas, mas gostava muito da minha maneira de tocar. Foi assim a minha grande evolução, e até hoje nunca mais parei. Tudo aconteceu naturalmente. Olho para trás e vejo tanta coisa. Como é que eu consegui dar tantas voltas ao mundo? Parece-me um sonho olhar para trás e ver tanta coisa que eu fiz.

 

 

MYWAY: Sempre viu a guitarra além do fado, ou quando começou não pensava nisso?

António Chainho: Dizem que eu libertei a guitarra do fado…ora bem, eu não libertei a guitarra do fado, só que entendi sempre que a guitarra portuguesa tinha de ser um instrumento como outro qualquer, adaptar-se a qualquer música. Porquê ficar só ligada ao fado? Eu não me esqueço nunca de uma conversa que tive com o saudoso Paco de Lucía – considerado o maior guitarrista de Espanha – que me dizia: «vocês em Portugal têm de fazer a mesma coisa que nós fazíamos aqui em Espanha. Ensinávamos os cantores de Flamenco a cantar, às vezes não cantavam nada, e depois eles ficavam como vedetas, e a gente ficava sempre na sombra. Começámos a convidar os cantores, e penso que vocês têm de fazer o mesmo em Portugal». Passados 15 anos, comecei a convidar vozes. Costumo dizer que estou na terceira fase da minha carreira. A primeira foi acompanhar toda a gente; a segunda foi quando fiquei só com o Carlos do Carmo, Frei Hermano da Câmara, e Rão Kyao; e a terceira foi aquela em que eu começo a pensar abrir uma escola de ensino da guitarra portuguesa, que não havia porque ninguém queria ensinar. A escola foi inaugurada em 98/99, e desde aí, desde o ensino da guitarra portuguesa, alguns profissionais começaram a ensinar também, e a verdade é que a guitarra evoluiu muito nestes últimos anos. Eu sinto-me feliz porque tenho a absoluta certeza que dei um grande contributo nesse sentido.

 

MYWAY: A sua missão para os próximos tempos é continuar a trabalhar nesse contributo?

António Chainho: É, é continuar. Eu entretanto abri uma escola em Santiago do Cacém, abriu outra também na Madeira, e já tenho alunos em qualquer dessas escolas em condições de poderem tocar em pouco tempo numa casa de fados, ou de acompanhar algum dos fadistas. Quando dei a entrevista a dizer que ia abrir uma escola de guitarra portuguesa, três ou quatro colegas meus ligaram-me a dizer para eu não me meter nisso, que isto já era pouco! Eu tentei sempre contrariar, e o tempo deu-me razão. Eu disse: «quanto mais houver guitarristas, mais movimento se cria à volta do fado, vão aparecer mais jovens a querer cantar o fado». É preciso é que se criem as condições. É a mesma coisa do que abrir uma Casa de Fados, quanto mais houver, mais pessoas vão, com o fado é a mesma coisa, quantos mais guitarristas houver, mais condições se criam nesse sentido. O tempo deu-me razão, e vêem-se hoje tantos jovens a cantar tão bem o fado, tantos guitarristas jovens a tocar tão bem. Sinto-me feliz pela evolução que o fado tem tido, e a guitarra portuguesa.

 

MYWAY: Vamos poder vê-lo em digressão?

António Chainho: Sim, já estão aí meia dúzia de espetáculos para fazer no país, e fora já está marcado Montenegro, Sérvia, e penso que Brasil. Não me lembro mais…o disco já está a ter muito impacto, e fico muito feliz.

 

 

António Chainho atua hoje, 10 de abril, no Centro Cultural de Belém. O concerto tem início marcado para as 21h, e os bilhetes custam entre 15 e 39 euros.


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