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Brasil e Portugal Misturados em novo projecto: «A língua em si, constrói um povo»

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Brasil e Portugal Misturados em novo projecto: «A língua em si, constrói um povo»

Lusofonia, união e amizade. São estas a palavras-chave para que definem o projecto BPM (Brasil e Portugal Misturados), que junta o português Mundo Segundo, ao brasileiro Vinicius Terra, e a Sr. Alfaiate (DJ Nelassassin), português de raízes Cabo-Verdianas, radicado no Brasil. O projecto nasce no contexto do Festival Terra do Rap, que decorreu este ano, e que levou a uma união de rappers portugueses, africanos, e brasileiros, a actuar no Brasil. Para além de rapper no Projecto BPM Vinicius Terra, que para além de rapper é um dos organizadores do Festival Terra do Rap, ficamos a saber o que é que o levou a fazer com que estes versos quisessem atravessar o atlântico.

O projecto BPM está em digressão por Portugal, e sobe ao palco do Musicbox, em Lisboa hoje, 16 de Outubro, e a 18 de Outubro no Espaço Toca, em Braga. Entre entrevistas e concertos, está ainda a ser gravado um documentário chamado «Versos que Atravessam», e que deverá debruçar-se sobre a língua portuguesa no contexto lusófono.

 

Este projecto BPM nasceu no Brasil, durante o Festival Terra do Rap, como é que surgiu a ideia desse festival?

O esboço do festival Terra do Rap surgiu quando eu comecei a viver aqui em Portugal. Eu morava no Porto. A ideia de analisar o rap nos países de língua portuguesa era para ser o meu projecto de Mestrado, mas acabou que eu não fiz o mestrado. Então, o que seria o meu projecto de mestrado, virou o festival em si. Não deixa de ser uma pesquisa, poderia dizer que é uma tese viva, uma tese que se aplica. Foi justamente morando em Portugal que eu fui percebendo o trânsito dos rappers de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, tudo mais, e foi a partir daí que comecei a perceber como era rico o rap em outros países de língua portuguesa, com quem o Brasil pouco dialogava com esses outros países – talvez pela questão geográfica (estamos do outro lado do Atlântico), talvez pelo português do Brasil ser o que mais se diferencia do português de Portugal – então o festival foi uma intenção de criar um intercâmbio entre estes artistas, e aproximar o rap feito em outros países de língua portuguesa para o Brasil. Já tivemos duas edições, uma em 2013, outra em 2014.

 

Como é que surge o projecto, nesse contexto?

Em 2013, o Mundo Segundo foi, e o DJ Nelasassin, o Sr. Alfaiate, também participou. Eu fiz uma tournée o ano passado aqui em Portugal, e a minha tournée passou por algumas cidades do norte, e acabou que eu, o Mundo Segundo, e o Sr. Alfaiate novamente, fomos para o estúdio do Mundo Segundo, o «Segundo Piso», e gravámos uma música…depois duas…três…de repente tínhamos um disco todo formatado, e agora colocámos na disponibilidade da Internet. Nós fizemos estas músicas como uma coisa solta. Já havia uma música muito importante na Terra do Rap, que foi o «Versos que atravessam o Atlântico», uma colaboração com um beatmaker brasileiro, o 2F, de um grupo chamado «Flow», mais o Allen Halloween, mais o Mundo Segundo. Essa música se tornou praticamente um hino no rap de língua portuguesa. Eu fico muito feliz por ter participado disso, não só de ter sido o idealizador no Brasil, mas perceber que precisava que alguém fizesse esse tipo de integração, que era uma coisa que não tinha acontecido até ao momento. Agora quanto ao projecto BPM, nem tínhamos nome, eram só músicas soltas feitas em ‘day-off’, entre uma data e outra, em que nos encontrávamos e íamos ao estúdio. Era o nosso futebol de Domingo, o nosso lazer. Aí, surgiu a ideia do disco. Eu tive a ideia de chamar o projecto de «Projecto BPM». Por mais que o Brasil seja o protagonista do acordo ortográfico, eu propus que fosse ProjeCto (com o c), porque ideologicamente eu sou contrário a algumas coisas do acordo ortográfico, perde a raíz, perde-se a referência das palavras. Por isso apoiei que se chamasse projeCto. E BPM é uma brincadeira com o principal metrónomo da música que é «Batidas Por Minuto», então ficou Brasil Portugal Misturados. Na verdade, essas não são todas as músicas do BPM, existem ainda músicas prontas, porque primeiro fizemos um produto promocional para divulgar, para a posteridade, está disponível para download gratuito, e essa foi a nossa intenção, propagar primeiro a coisa.

 

 

O projecto do festival Terra do Rap tem quatro anos. Há quatro anos, eu e a minha sócia –  eu tenho uma produtora de cultura urbana no Brasil – batemos de porta em porta buscando patrocinador, e ninguém queria patrocinar. Pronto, fizemos o primeiro e os ingressos ficaram esgotados, tivemos que colocar um projector para transmitir o que estava acontecendo lá dentro para a rua.

 

 

Falavas da raiz das palavras, que dizes que se perde com algumas das novas regras do acordo ortográfico. Este projecto é também uma forma de manter as raízes da língua portuguesa, espalhando-a?

O projecto do festival Terra do Rap tem quatro anos. Há quatro anos, eu e a minha sócia –  eu tenho uma produtora de cultura urbana no Brasil – batemos de porta em porta buscando patrocinador, e ninguém queria patrocinar. Pronto, fizemos o primeiro e os ingressos ficaram esgotados, tivemos que colocar um projector para transmitir o que estava acontecendo lá dentro para a rua, que deu muita gente. Este ano não foi diferente. O retorno mediático do festival foi gigantesco! Então, sim, preservar essas raízes e características de cada local é de extrema relevância. Eu e o Mundo, na hora de compormos as letras, tentou não ter muitas gírias ou muito calão, para que todos pudessem entender. A gente tentou fazer a língua portuguesa da maneira mais clara possível, aquelas palavras que você consegue encontrar nos dicionários seja da Guiné-Bissau, seja do Brasil, Cabo Verde…Tentar que a música pudesse ter a sua mensagem clara para todos os países de língua portuguesa. Acho que a gente estava num clima de tanta amizade, de estrada, de tournée, de reencontro, que todas as músicas todas falam de integração, praticamente, todas elas. O «Amanhã» é uma delas, eu digo: «Unimos Lisboa, Rio de Janeiro, Porto, mas isso aqui é pouco/O amanhã anunciará uma nova Aurora».

 

Antes de trabalhares com o Mundo e com o Sr. Alfaiate já conhecias o trabalho deles? Já sentias que podiam intregrar-se na tua temática?

Eu os conheço desde quando vivi em Portugal (2008/2009). O Alfaiate foi meu DJ na minha tournée europeia – foi uma tour extensa, eu toquei em 27 cidades. Além de estudar, eu também consegui lançar um EP aqui, então continuei sustentando as duas coisas: a vida académica, e a vida como rapper. Nessas andanças, acabei conhecendo o Mundo, e tal. Depois que estivemos os três juntos no Brasil, a afinidade ficou muito maior. No final das contas, foi tudo muito ao acaso. Eu posso dizer que estas músicas do BPM foram construídas em cinco dias. Cinco dias mesmo! Mas não foi cansativo…foi uma coisa tão natural, um exercício mesmo de um mostrar a letra para o outro, perceber o que cada um estava escrevendo…Por exemplo, o Alfaiate pegou no «Elogio da Dialética», do Brecht, recitado por uma pessoa portuguesa, que não é língua portuguesa, porém, como esse disco fala basicamente desse lado de amizade, e de perceber novas perspectivas, coube muito bem o texto como abertura do disco.

 

 

A raiz das semelhanças, de qualquer coisa, é a língua, basicamente.

 

 

Sendo tu um estudioso do rap lusófono, quais são os pontos em comum que encontras no rap dos vários países?

Curiosamente, mas parece que ninguém percebia, a língua em si, constrói um povo. Por exemplo, o Brasil é um país sustentado por três matrizes: Afro, Tupi (Indígena) e Lusa. São os nossos três pilares, que formaram o povo brasileiro. A forma como o brasileiro se comporta é basicamente a mistura desses três povos, mas o nosso idioma é o português. Então, o idioma em si, constrói a lógica de um povo. Você pega um espanhol, um chileno e um Argentino, e eles têm culturas diferentes, porém, a lógica para construção e constituição de uma sociedade e da cultura daquele local, basicamente passa pela língua. É a língua que forma essa lógica. Curiosamente, a temática e a forma como você avalia certos temas é muito parecida justamente pela língua. Diferenciam-se coisas pela cultura local. A raiz das semelhanças, de qualquer coisa, é a língua, basicamente.

 

Tinhas dito que há mais músicas para o BPM. Planeiam voltar a fazer mais álbuns, continuar em digressões, ou não há planos?

Há tanta coisa tecnológica, tantos adventos, um capitalismo tão visceral no ocidente, que os três terem a liberdade de formar um grupo constituído pela amizade e pelo acaso me dá uma extrema felicidade de ser 1/3 desse grupo. Não há realmente uma estratégia no BPM, é o pleno encontro de três pessoas que têm as suas vidas particulares, que têm a sua vida profissional em suas regiões, Lisboa, Porto, e Rio de Janeiro, que de repente se encontrou e criou uma coisa que tem tido uma aceitação tão grande…Parece que até o próprio mercado discográfico precisava disso. As coisas são tão instantâneas…é single, iTunes, videoclipes espectaculares, compras de views, compras de ferramentas para bombar Facebook, seguidores no Twitter, no Instagram…a gente tem tantas estratégias hoje para moldar uma música, que demo-nos ao luxo e parece que parámos no mundo. A gente costuma dizer que enquanto as pessoas estão partilhando jogos no iPhone, a gente está no «Aquaplay». Mas a gente também se valeu da tecnologia, saiu para ‘free download’ e na primeira semana a gente teve instantaneamente dois mil e poucos downloads. A gente abriu uma abra no site do festival Terra do Rap, para ter o projecto BPM ali, porque na verdade tudo começou no festival, que também prega integração. Teve um estrondo do caramba! Tinha as pessoas cantando, mesmo no Brasil, e eu falei: ‘deu certo’. A gente não tinha essa intenção, e aconteceu. Então, é assim, acho que é uma obrigação nossa lançar um disco físico. Nós temos algumas músicas que poderiam entrar, mas como já estava chegando o festival…

 

Em relação ao festival Terra do Rap, está prevista uma nova edição?

Com certeza! É anual, já aconteceu em 2013, 2014, foram dois anos que foram uma missão. Que bom que a minha sócia teve a mesma paixão que eu, para a gente poder enfrentar e levar para a frente. Não é um projecto que ainda hoje tenha um orçamento espectacular, mas nós demos o nosso sangue para que aquilo acontecesse. O retorno mediático foi muito grande, e os patrocinadores começam a procurar-nos, por isso, no ano que vem, tem que acontecer o festival novamente. Se aconteceu com quase nada de captação, porque é que a gente não vai fazer? E acho que tem tendência a crescer. Foram dois anos sensacionais. Além do BPM surgiu a REP Discos, uma label de intercâmbio, que tem o BPM como primeira experiência. Terá a sua sede no Brasil, mas intercâmbios com outras editoras. Por exemplo, uma editora em Portugal lança artistas da REP discos em Portugal, e artistas dessa label são lançados no Brasil pela REP discos, e vice-versa. A proposta do rap lusófono é que a capital do rap lusófono não seja Lisboa, não seja o Rio de Janeiro, não seja lugar algum. O rap lusófono é um bloco, a nossa sede é a língua. O instrumento que utilizamos para propagação dessa nova lusofonia é o rap, como se fossemos trovadores do século XXI.


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