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Capicua: «Sou muito control freak»
Um ano depois de «Sereia Louca», Capicua não parou de nadar, e lançou «Medusa», um álbum de remisturas (e não só) das suas canções. Fomos saber como é que uma «control freak» deixa a obra noutras mãos (Octa Push, Sam The Kid, D One, White Haus, Marfox, Expeão, ou Ninja Kore estão entre os nomes que criaram remisturas), mas também falámos de feminismo, e de como os novos concertos vão ligar «Sereia Louca» à corrente.
MYWAY: Lançaste recentemente o álbum «Medusa», que conta maioritariamente com remisturas das tuas músicas. Custou-te muito deixares a tua obra noutras mãos?
Capicua: Não custou muito, porque se achasse que ia gostar não tinha proposto. Mas é um bocadinho contra aquilo que é a minha forma de trabalhar, eu sou muito «control freak» e tenho de ter sempre algo a dizer mesmo nas coisas que não sou eu que faço diretamente, como o vídeo ou o design, ou na música, mesmo não sendo eu que faço os instrumentais, tenho sempre uma opinião. Desta vez foi mesmo o processo de deixar ir, e também foi bom para mim, esse exercício de desprendimento. Não me custou, mas claro que tinha muitas expectativas para ver o resultado, porque podia não gostar das remisturas, e depois tinha que viver com elas ou dizer que não gostava (risos). Felizmente isso não aconteceu com nenhuma delas. Obviamente que há umas que gostei mais do que outras, umas que surpreenderam mais, mas gosto sinceramente de todas, e do resultado final. Acho que é muito diverso, é surpreendente, e ao mesmo tempo transformou o «Sereia Louca», que era tão coeso, numa coisa muito diferente, muito variada. Isso também foi um exercício engraçado.
MYWAY: Foi também por isso que chamaste estes artistas para trabalhar as canções?
Capicua: Sim! Alguns já tinha alguma afinidade porque tinha trabalhado com eles. O Sam The Kid tinha feito dois beats para o meu primeiro álbum, o Ride e o Stereossauro tinham participado como produtores no «Sereia Louca», o D One é o meu DJ desde sempre…mas houve outros que escolhi primeiro por admirar muito o trabalho deles, e depois porque era um objetivo ter um leque variado de linguagens dentro da música eletrónica, não ficar só pelo hip-hop, e ter algumas coisas que espelhassem um bocadinho o que se faz por aí na música eletrónica em Portugal.
MYWAY: Sentes que o hip-hop é cada vez mais essa mistura de linguagens?
Capicua: sim, o hip-hop sempre viveu de ir buscar referências ao soul, ao funk, ao Jazz, e a outras linguagens musicais. Nem que seja pelo sample em si, que já é pegar num recorte e transformar em algo novo, de ir buscar a matéria-prima do amanhã, isso é um bocadinho a lógica do hip-hop: essa permanente referência e homenagem, essa permanente digestão do que aconteceu para trás para saber o que vai acontecer amanhã. Acho também que essa questão de remisturar, e de aproveitar as palavras e pôr noutros instrumentais também é uma coisa muito típica no hip-hop, fazemos muito isso. Nas mixtapes aproveitamos instrumentais dos outros rappers para fazer o nosso rap, pegamos no nosso rap e mudamos instrumental…todas essas reciclagens e remisturas não só são muito características do hip-hop, como no espectro da música eletrónica, também vive muito essa lógica. Portanto, eu acho que isto apesar de ser uma abertura do meu estilo – que é normalmente um rap mais tradicional – a outras linguagens, não deixa de ser uma coisa em que me sinto bastante confortável, que é reinventar permanentemente as minhas músicas. É bom para experimentares segundas vidas das canções, e ao mesmo tempo também é engraçado para mim perceber como é que a matéria prima – que é a voz, a palavra – se pode desdobrar em tantas estéticas diferentes.
MYWAY: Quando recebeste as remisturas tiveste a tentação de mudar alguma coisa?
Capicua: Sim, houve uma ou outra que eu tinha mudado uma coisa ou outra…acho que num ponto ou outro posso ter dito: ‘olha eu fazia assim, mas a remistura é tua’, e não houve nenhuma transformação. Aliás, essa era a ideia, eu ser surpreendida, e respeitar o trabalho dos remisturadores. Na verdade as coisas que eu mudava não eram estruturais, era uma coisa aqui e outra ali…aquela coisa de mulher, de querer meter o bedelho em tudo! (risos).
Acho que o rap da música «Medusa», tendo mais silêncios, sendo mais entre o rap e o spoken-word, é um bocadinho o que me interessa explorar agora .
MYWAY: Esta «Medusa» fecha o ciclo da «Sereia Louca»?
Capicua: Fecha, de facto. Principalmente a «Medusa» a música, não o álbum, acho que fecha um ciclo – por falar da marca feminina, por ter aquela coisa aquática, mitológica, com uma agenda social marcada, e por ser uma espécie de uma sequela da «Sereia Louca» – mas aponta um bocadinho para o futuro. Acho que o rap da música «Medusa», tendo mais silêncios, sendo mais entre o rap e o spoken-word, é um bocadinho o que me interessa explorar agora (não só isso, outras coisas também). Quando chegou aquela música senti que podia estar na mesma no «Sereia Louca», mas ao mesmo tempo não podia. Já não sou a mesma pessoa em termos de escrita, apetece-me não repetir a fórmula, ir por outros caminhos. Isso pode ser muito invisível para a maioria das pessoas, mas para mim é como fechar um ciclo já com uma pista do caminho que vem aí.
MYWAY: Faz a transição.
Capicua: Sim, essa música sim. As outras não são da minha responsabilidade, e a última que é o «Egotríptico» – que são três músicas numa só – é uma música para nos divertirmos, e vai buscar aqueles estilos do «Feias, Porcas e más», ou da «Maria Capaz», que são aqueles temas de «egotrip» em que uma pessoa avacalha, e tem aquelas rimas mais cómicas, mais competitivas. É engraçado, que esses três instrumentais que estão no «Egotríptico» e que são do DJ Ride, eu já os tinha recebido quando andava à procura de beats para o «Sereia Louca». Na altura eu pensei: «pá, eu gosto mesmo destes beats, mas isto não tem nada a ver com o ‘Sereia Louca’, e não posso usá-los neste disco, vai destoar completamente». O «Sereia Louca» tem aquela coesão mais melancólica, mais contida, mais feminina, e aqueles beats são completamente Londrinos, sexta-feira à noite, vamos curtir! (risos) Não tinha nada a ver, então até disse ao DJ Ride: «não dês aqueles beats a ninguém, que eu ainda vou usar aquilo!». Nesse sentido foi o fechar de um ciclo também, porque eu tinha ali aquela pulga atrás da orelha já há muito tempo, tinha de usar aqueles instrumentais…e pronto, foi agora.
«Não descansei o que devia ter descansado, e agora recomeça tudo. É um problema bom porque pelo facto de termos tocado tanto no ano passado já estávamos um bocadinho cansados daquele alinhamento».
MYWAY: O «Sereia Louca» levou-te a muitos palcos, e agora tens já a «Medusa», e pelo que percebo já pensas no que vem a seguir. Não sentes necessidade de descansar?
Capicua: Acho que esta coisa do disco das remisturas trouxe-me um problema bom, porque os músicos costumam aproveitar o Inverno para descansar, e eu estive a fazer o disco das remisturas. Portanto, não descansei o que devia ter descansado, e agora recomeça tudo. É um problema bom porque pelo facto de termos tocado tanto no ano passado já estávamos um bocadinho cansados daquele alinhamento. Não é que fosse sempre o mesmo, mas andava sempre à volta daquelas músicas. Estávamos com necessidade de renovar o repertório, fazer uma coisa diferente. Ao mesmo tempo, sentia que o «Sereia Louca» era assim o disco mais calminho, mais melancólico, mais introspectivo, e sentia necessidade de o ligar à corrente e ter músicas mais dançáveis, mais animadas, mais extrovertidas. Com este disco de remisturas conseguimos ter uma desculpa e material para renovar o concerto todo, e transformá-lo numa coisa mais festiva. Acho que vai animar o nosso verão…e não conseguíamos tocar mais aquele alinhamento (risos).
MYWAY: É isso que se pode esperar dos próximos concertos? Festa?
Capicua: Sim! Não é só festa, porque obviamente não posso abandonar o «Sereia Louca» e não tocar aqueles temas que exigem mais concentração, mais silêncios…mas o que a gente queria era ter mais um equilíbrio. Ou seja, ter aquelas músicas que exigem que as pessoas estejam atentas, e que acabam por arrepiar e criar um momento de emoção, mas também queríamos ter outros temas em que a coisa vai mais para a festa, mais para curtir. Acho que estes concertos da tour da «Medusa» vão ser mais equilibrados nesse aspeto. Vai ser sal e pimenta, vai ser mais temperado.
MYWAY: O feminismo está agora muito mais na ribalta do que na altura em que te intitulaste «Maria Capaz». Sentes-te porta-voz da «Guerrilha cor-de-rosa»?
Capicua: A minha atitude feminista, e as preocupações em relação aos problemas da igualdade de género sempre estiveram presentes no meu trabalho. Antes do meu primeiro álbum já estavam presentes, e depois do meu primeiro álbum foram presentes de uma forma mais mediática porque o meu trabalho também se abriu mais às pessoas. Eu não sou pioneira em nenhum sentido. Antes de mim, felizmente, e para termos chegado a este ponto de evolução, já houve muitas mulheres que deram a cara por isso. De facto, 2014 tornou o feminismo trendy, para o bem e para o mal. Por um lado é muito bom que se fale mais das causas feministas, que estejamos todos mais atentos, e que seja cool ser feminista. Há dois anos a feminista era sinónimo de bigode, ser uma mulher-macaca que andava a queimar soutiens – não sei porquê, mas pronto – uma mulher que era quase mal-amada, e todos esses estereótipos sinistros que estavam associados ao feminismo. 2014 tirou essa carga negativa que o feminismo tinha, mas ao mesmo tempo temo que o facto de se ter tornado moda, e como tudo o que se torna moda, se esvazie um bocadinho de política no bom sentido, e se torne só numa chachada mediática. Agora, eu não sou provedora de nada, faço o meu percurso individual dentro daquilo que é uma luta coletiva, e dou sempre o meu contributo porque acho que o devo fazer e faz sentido fazê-lo. Eu faço o meu papel, não sou dona da bandeira.
Capicua sobe hoje, 16 de abril, ao palco do Lux, em Lisboa. Os bilhetes estão à venda ao preço de 10 euros.
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