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Diabo na Cruz: «É mais difícil fazer músicas felizes»

Diabo na Cruz - digressão
©Divulgação oficial

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Diabo na Cruz: «É mais difícil fazer músicas felizes»

Já quase ao cair do pano de 2014, os Diabo na Cruz voltaram aos discos com um trabalho homónimo, e livraram-se do «peso» que «Roque Popular» trazia. O MYWAY falou com o vocalista e compositor Jorge Cruz, que nos explica: «era muito importante que fizéssemos um disco que acabasse com a crise. Pelo menos para nós». O processo de composição, o tom das canções, e a identidade da banda estiveram na mesa, antes de o álbum ir para a estrada.

 

MYWAY: Da última vez que falámos, dizias-me que o novo álbum estava a marinar como uma boa chanfana. Agora que saiu, sentes que está apurada, ou mudaram a receita entretanto?

JC: Nós falámos em Março, Abril, se não me engano…não tenho bem noção de quanto fomos alterando desde então, porque o disco foi fechado em Setembro. Há para aí duas letras no disco, pelo menos, que foram feitas depois de eu estar aqui contigo. Portanto, houve muitas coisas que já estavam lançadas, não houve nenhuma música que tenha sido feita depois do «Vida de Estrada» sair…aliás, houve, houve! O «Ganhar o Dia» foi feito a última música a ser feita.

 

MYWAY: E foi logo escolhida para single…

JC: Sim. É um bocado típico, sabes? «Dona Ligeirinha» também foi a última música a ser feita do «Virou!», e o «Sete Preces» foi a última do «Roque Popular», acho eu. A última letra foi o «Duzentas mil horas», que abre o disco, sempre tive um bocado a ideia que as primeiras palavras deviam ser escritas no fim. Mas a última canção a surgir do início ao fim foi a «Ganhar o Dia». Eu acho fixe, e penso que no cinema e na literatura isso também acontecerá, regressar ao início quando já sabes como vai ser a história. Esse tipo de equilíbrios interessam-nos quando vamos fechar uma obra como um todo. Se calhar quando saiu o «Vida De Estrada» já tínhamos a narrativa criada para o disco, faltavam alguns ingredientes, e depois saber exactamente como é que as músicas iam ser gravadas, e o que é que íamos tirar. Portanto, esteve a marinar, porque o tempo é importante, e o que foi preciso retocar, acertar em termos de salzinho e especiarias, foi feito.

 

Há uma espécie de necessidade de catarse que quem faz canções tem em comum.

 

MYWAY: Este álbum tem um tom bastante mais positivo que o anterior, é mais fácil ou mais difícil fazer músicas felizes?

JC: É interessante essa pergunta. Respondendo assim imediatamente, é mais difícil fazer músicas felizes. Penso que isso acontece com a maioria de pessoas que criam canções. Há uma espécie de necessidade de catarse que quem faz canções tem em comum. A música explica coisas que não consegues explicar em palavras. Portanto aquela tendência que normalmente uma pessoa tem de ir escrever uma música, geralmente é uma resposta a qualquer coisa que nos magoa. Não é invulgar que haja muitos artistas que procurem isso. Aliás, para mim isso não é estranho, e muitas coisas que eu fiz mesmo de Diabo na Cruz para trás, penso que têm a ver com essa necessidade que a determinada altura parece biológica, de deitar para fora algo que não consegues expressar de outra maneira. Em Diabo na Cruz, as canções têm de ser traduzidas em concerto, e também vão ser analisadas de uma forma muito diferente de outras coisas que eu tenha feito para trás. Diabo na Cruz é uma banda específica, as pessoas vão agarrar-se às palavras de uma maneira diferente, e nós sentimos um bocadinho…uma certa responsabilidade naquilo que vamos escrever. Neste disco, até porque tínhamos o «Roque Popular» com tantos momentos pesados – estou a falar de emoções – era muito importante que fizéssemos um disco que acabasse com a crise. Pelo menos para nós.

 

MYWAY: É um disco de viragem no tom de Diabo na Cruz?

JC: Eu acho que sim, mas por outras razões. Não posso falar sobre o futuro, porque não sei como vai ser a obra daqui para a frente. No «Roque Popular» também foi muito difícil encontrar um certo tom para falar sobre o país, para dizer palavras como povo, ou revolução, essas palavras não se podem dizer sem que as pessoas as associem a uma coisa que já conhecem. Como é que podemos dizer estas palavras de uma forma nova? Isso era uma questão em termos de tom que me interessava muito. Podemos escrever a palavra Portugal? É permitido? É que durante um tempo não se podia dizer Portugal numa canção sem se ser posto numa gaveta qualquer. Aí estávamos a combater com esse tipo de tom. Aqui, a intenção era depurar a linguagem, de forma a sermos muito mais directos. Como é que colocamos gente que toda a gente perceba, e mesmo assim mantenha o mistério que achamos que a nossa música encerra? Como é que nos mantemos interessantes de uma forma que as pessoas entendam mais directamente? Nós temos muitas músicas «veladas» para trás, o «Sete Preces», o «Tão Lindo» são músicas populares em Diabo na Cruz, que as pessoas conhecem, mas que a letra não é muito óbvia. Aqui queríamos que as pessoas percebessem exactamente sobre o que é que estávamos a falar, e que as pessoas se identificassem de uma forma mais directa. Esse tom não é fácil de alcançar, lembro-me sempre do Hemingway, que era um escritor muito económico, com muitos pontos finais. Como é que tu fazes isso com elegância, e sem afectar a poética?

 

Queríamos que as pessoas percebessem exactamente sobre o que é que estávamos a falar

 

MYWAY: Foi fácil ter uma mensagem directa e acessível, e manter a identidade de Diabo na Cruz, e a tua forma de escrever?

JC: Não, não foi fácil, mas foi estimulante. É uma das coisas fixes deste nosso terceiro disco. A nossa música é feita de muitas coisas, é feita de canções e melodias, e depois é feita de arranjos e de ideias, há um lado de questionar o que é que podemos fazer em termos de sonoridade que seja fresco, que não seja repetição? Também em termos de música portuguesa, e música popular, seria mais desafiante? O que é que temos para dizer? Como é que vamos dizer? Como é que vamos gravar? Ao que é que vai soar? Como é que vamos gravar isto no fim? Há muitas dimensões de um álbum, e tom da escrita foi muito trabalhado. Eu faço assim, hoje em dia: primeiro decido sobre o que a música é (já tenho a melodia), depois quando me vou concentrar para escrever, preparo-me muito para o acontecimento. Estudo bastante, quase como quem vai para um exame de faculdade, e depois quando chega a hora do exame tens aquelas duas / três horas (no meu caso, um ou dois dias), e faço uma performance, basicamente, esqueço tudo o que aprendi até ali. Há uma fase de procura, de trazer material, e depois há uma fase em que digo: «então ‘bora fazer». Já não há aquela coisa como se calhar houve no primeiro, em que não sei bem sobre o que estou a falar…está-me a sair. No primeiro houve muito mais essa coisa…aquilo a que os americanos chamam «stream of consciousness». A poesia beat é muito assim, sai-me assim, e há de me sair qualquer verdade porque me está a sair sob um jorro. Aqui é uma coisa muito mais trabalhada.

 

Há uma coisa acima de nós que é Diabo na Cruz, é a identidade da banda, o reportório que já foi criado, a vivência que já tivemos com o público, a vivência de momentos especiais, de pessoas a cantarem as nossas músicas, aquilo que as músicas dizem às pessoas, aquilo que as pessoas nos dizem no fim dos concertos, já ninguém pode fazer de conta que isso não existiu.

 

MYWAY: Este trabalho tem vindo a ser muitas vezes apontado como representante de Diabo na Cruz, e a banda sofreu algumas mudanças de alinhamento. Sentes que chegaram ao alinhamento ideal de Diabo na Cruz, ou encontraram uma identidade que é independente de qualquer formação que a banda tenha?

JC: Por um lado, isso que tu disseste no fim faz-me sentido. Na verdade, o que está actuar até é mais o tempo, do que as pessoas que compõem a banda. Há uma maturidade na ideia, que é independente das pessoas. Por outro lado, há uma cumplicidade entre as pessoas, há um equilíbrio que é precioso hoje em dia, na banda, e que nós valorizamos muito entre nós. As pessoas estão mais felizes com o que fazem do que em outros momentos. Agora, tal como numa relação, ou numa família, não podemos tomar isto como uma coisa garantida que não pode mudar de um momento para o outro. Uma coisa é certa, respondendo à tua pergunta, há uma coisa que já sabemos que não vai mudar, que é Diabo na Cruz. Independente de nós, os seis membros que existem agora, nos darmos bem e querermos fazer coisas juntos, há uma coisa acima de nós que é Diabo na Cruz, é a identidade da banda, o reportório que já foi criado, a vivência que já tivemos com o público, a vivência de momentos especiais, de pessoas a cantarem as nossas músicas, aquilo que as músicas dizem às pessoas, aquilo que as pessoas nos dizem no fim dos concertos, já ninguém pode fazer de conta que isso não existiu.

 

MYWAY: Ouvindo o este álbum, quase dá para imaginar as canções a serem tocadas em palco. Foi com essa intenção, sentem que vão soar melhor ao vivo do que os outros discos?

JC: Isso é giro, podes explicar melhor porque é que sentes que estás a ver ao vivo?

 

MYWAY: Sim, logo as duas primeiras, a «Duzentas mil horas», e o «Ganhar o dia» transmitem muito aquela energia que os Diabo na Cruz têm em palco, e que junta as pessoas. Acho que isso tem tudo a ver com o espírito das canções.

JC: Sim, há uma narrativa que é comum aos concertos e aos discos, e eu diria que a narrativa não é o que tem mudado mais nos discos de Diabo na Cruz, eles têm narrativas um bocado parecidas uns com os outros. A narrativa dos concertos também é um bocado parecida, há sempre uma introdução, há logo ali uma grande paixão no início, que agarra logo. É a nossa forma de nos afirmarmos no concerto e no disco, as pessoas sabem logo ao que vão. De qualquer modo, acho que este disco consegue serenar, e entrar num sítio confortável, sem tanta ansiedade, nomeadamente em relação ao «Roque Popular». Este disco estabelece-se num sítio menos ansioso, e se calhar com músicas menos aceleradas, de uma forma que a mim me agrada imenso. Parece que não temos tanto a provar, e eu acho isso bom, porque não temos, realmente.

 

O mais importante neste momento é fazermos bons discos, boas canções, darmos bons concertos, porque somos uma banda como as outras. Isso, só por si, é uma grande conquista. Já não é uma coisa tão invulgar.

 

MYWAY: A ideia que vocês tinham da música tradicional portuguesa mudou com os anos de estrada, e todas as terras que visitaram?

JC: Se calhar…na medida em que, tal como nós começámos a perceber que tínhamos legitimidade para manusear esse tipo de matérias-primas, percebemos que por todo o lado as coisas não são assim tão solenes e tão importantes como nós, ao longe, no dia em que nos atirámos para este campeonato, achámos que poderiam ser. É verdade que no início houve algumas pessoas que levaram um bocadinho a mal a leveza, depois se calhar houve uma determinada altura em que fomos sérios demais, não sei, passámos por diversas fases de lidarmos com isso. Uma coisa é certa, hoje em dia quando estamos a fazer a música já não estamos tão obcecados com as percentagens que há de música tradicional, e de rock, e modernidade, acreditamos que aquilo que nos sai já é, em sim, a mistura que é precisa para fazer Diabo na Cruz. As pessoas até já têm uma expectativa de não-surpresa por existir este tipo de música, e o mais importante neste momento é fazermos bons discos, boas canções, darmos bons concertos, porque somos uma banda como as outras. Isso, só por si, é uma grande conquista. Já não é uma coisa tão invulgar.

 

MYWAY: As reacções opostas que receberam por serem uma banda invulgar influenciou-vos na composição?

Influencia sempre porque há um lado de confronto, de onde nós vimos. No fundo nós só estamos a fazer música e temos uma banda de rock porque não estamos muito confortáveis com as expectativas que, se calhar desde que éramos jovens, tinham para nós – quer a sociedade, quer o café onde nós íamos beber uma cerveja, quer os nossos pais, os professores – a pessoa escolhe ser um gajo do rock se calhar porque não corresponde às expectativas que os outros têm sobre o que se deve fazer. Há sempre um lado do trabalho de uma banda como esta que é contrariar. Também porque é estimulante, é desafiante, obriga-te a seres flexível, mudar. Eu quando estou a ouvir uma banda qualquer que eu goste, também tenho tendência a organizar a minha ideia sobre aquela banda e a ficar com uma imagem, e não é fácil uma banda ou um artista mudar e convencer-me a aceitar isso.

Por um lado temos uma dimensão que responde a isso, mas por outro tomamos como muito precioso o que é essencial na identidade e na sonoridade de Diabo na Cruz. Há um lado disto que responde ao que nós somos, e que não pretendemos mudar. Há coisas que são de cada um, e que não faz sentido mudar. Acho que há algo que é comum em relação a todos os discos de Diabo na Cruz, e também há algo que é diferente, e acho que daqui para a frente não há-de funcionar de uma maneira muito diversa disso. É fundamental que o nosso trabalho seja Diabo na Cruz, mas também é fundamental renovar-se.


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