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Entrevista: Pernas de Alicate
Pernas de Alicate é o novo projecto de Carlos BB, baterista que já passou por bandas como Riding Pânico, Men Eater e, actualmente, Keep Razors Sharp. Partiu sozinho na aventura de algo diferente do que conhecemos no mundo da música e, mais tarde, assumiu a ideia como um projecto de som e imagem a meias com a ilustradora Sara Feio.
Tanto na parte musical como visual, convidam os mais variados artistas que admiram para fazerem parte, e os dois funcionam como um todo. Apresentaram o seu mais recente tema – e respectivo vídeo – «Pássaros (Casa para Pássaros)», que contou com a base de bateria de BB e com Ana Miró (Sequin) e Miguel da Bernarda (Brass Wires Orchestra) na voz, Gil Amado (Long Way To Alaska, We Trust) na guitarra, João ‘Shela’ Pereira (Riding Pânico) nos teclados e Cláudia Guerreiro (Linda Martini) no baixo.
Falámos com a dupla BB e Sara Feio sobre o que são estes Pernas de Alicate. E pelo meio ficámos a saber que vai haver uma exposição com uma música a ser tocada ao vivo a 15 de Novembro, no Adamastor Studios, nos Restauradores …
Como é que apresentam por palavras o vosso projecto Pernas de Alicate?
BB: Palavras?
Sara Feio: Caos!
BB: Acho que é um projecto que dá azo à experimentação e daí envolver tantas pessoas. Envolve duas pessoas que convidam outras pessoas a juntarem-se ao projecto.
SF: É: ou efeito em cadeira, ou um fractal, ou àquela cena do «Cadáver Esquisito», sabes? Aquele jogo dos surrealistas em que dobras uma folha, desenhas umas pernas e deixas o fim das pernas e dobras. E dás à próxima pessoa. E essa pessoa vai desenhar o tronco, mas não vê o que tu fizeste com as pernas. E depois dobras outra vez e dás ao próximo e o próximo vai desenhar a cabeça sem ter visto o que há de tronco e de pernas. E no fim abres e tens um cadáver esquisito!
BB: Eu também não conhecia e comecei a jogar com a Sara.
SF: Quando apanhávamos o avião – ele tem medo de andar de avião – então sempre que nós viajávamos jogávamos jogos estúpidos como o Cadáver Esquisito. Mas tens os resultados muito giros, porque não estavas à espera e não sabes bem o que a outra pessoa está a fazer. É um bocado assim que funciona tanto a nível de imagem como a nível de música. A única coisa que sabes é que há a bateria – e neste caso um corpo – e depois cada músico vai gravar a sua parte por cima e não sabe qual é que é o resultado final porque é o BB que vai produzir, é ele que vai fazer o corte e costura da música. Na parte da imagem a mesma coisa: vou juntando pessoas para fazer um corpo também, e eles não sabem quem é que são os outros convidados e o que é que eles vão fazer.
BB: Este projecto é uma pura reflexão da minha personalidade e da personalidade da Sara. Somos duas pessoas extremamente exigentes, somos pessoas de pormenores e ao mesmo tempo somos pessoas de caos e desorganização.
Então os instrumentos vêm por camadas e ninguém sabe o que foi feito antes ou mostram aos convidados o que já foi feito até lá?
BB: Depende muito dos casos. Falando de logística, por exemplo, eu agora estou a trabalhar numa música nova e dois dos músicos são do norte do país e não vêm cá com muita frequência e eu não posso estar dependente. Se for por minha escolha, gosto que eles venham gravar ao meu estúdio e é onde me sinto confortável para trabalhar (e sai-me mais barato!). Aí viro as coisas e eles vão ouvindo algumas coisas. Mas há músicos que mesmo por opção eu digo não, vens aqui, isto e tipo improviso e fazes qualquer coisa, porque eu sei que tens capacidade para isso e se for por minha escolha é assim que eu prefiro: que as coisas sejam criadas na altura. Gosto logo da primeira reacção dos músicos, parece que a primeira vez que tens contacto com a música foi a vez que a música soou melhor e é a reacção mais sincera. E eu gosto disso, gosto da espontaneidade.
Isto não é uma pergunta assim tão séria, mas como foi misturar a relação pessoal com a profissional?
SF: Houve momentos bons e momentos maus. Isto começou exactamente pela parte pessoal, porque eu estava a ajudá-lo em modo favor e porque queria ajudá-lo a fazer a parte da imagem da música que ele estava a fazer e nem sequer era um projecto das duas coisas. Era um projecto de música com colaboradores que tinha uma parte de imagem. Eu via-o a construir as músicas, via o trabalho que ele estava a fazer no BlackSheep, ia ajudando com coisas parvas. Dizia-lhe tipo, agora põe-te aí de cuecas e faz o pino, bora lá fazer uma cena engraçada, fazer a página de Facebook. Depois quando se tornou um projecto oficial tivemos de criar algumas regras. E a regra mais importante que tivemos, passado uns meses de cabeçadas , foi: não vamos falar de Pernas em casa. Não pode, não pode ser. Porque era deitar-nos à noite, ‘olha devíamos fazer não sei o quê’, ‘devíamos ir tirar umas fotos para não sei quê’, deitavas-te assim, acordavas já a pensar no projecto, então começámos a fazer troca de e-mails, reuniões em cafés, tipo não te conheço de lado nenhum. Acho que isto deve ser a parte mais importante de quando fazes colaborações com pessoas que te são muito próximas, porque corres o risco de estares a ir ao cinema, ou a um concerto, e estar a falar de trabalho.
As músicas são um conjunto com o videoclip ou faria sentido apresentar uma música sem a parte visual, mesmo sabendo que este é um projecto que alia as duas coisas? Isto porque, por exemplo, na rádio não temos acesso à parte visual.
SF: Funciona das duas maneiras. Acho que a parte da imagem nem sequer teria de vir com a música – as ilustrações, as fotografias, as esculturas que são feitas, há textos também, neste último tema, há uma data de coisas que vão ser soltas em novembro. E tudo isso poderia vir sem música. O vídeo também podia não ter música, podia ter pessoas a falar por cima, a ler um texto.
BB: Uma curta, pronto.
SF: E a música funciona muita bem só a passar na rádio, ou no iPod. A ideia do projecto é essa, funciona tudo muito bem em separado; não são partes dependentes, mas são complementos um do outro. Os vídeos não são videoclips, são curtas, são histórias que são separadas da história da música. A ideia sempre foi essa: trabalhar cada um no seu canto, não nos castrarmos, não lhe estar a dar ideias a ele nem ele a mim, apesar de isso acontecer naturalmente. Fazer as coisas em separado e juntá-las na parte de edição.
BB: Nunca nos tinha posto as coisas assim. Então mas e as músicas na rádio como é que é?
SF: Com isso nós temos a preocupação de do nosso lado, se soltamos alguma coisa, soltamos as duas coisas juntas. E isso é o que é do nosso controlo. Mesmo a Edição Física veio com o download das músicas. Há sempre uma preocupação de a imagem ter uma associação à música e a música ter associação à imagem.
BB: Acho que é importante a associação e o desapego que temos.
SF: Acho que neste último, o «Casa para Passáros» mudámos um bocadinho as regras do jogo. E isto vai acontecer sempre, porque nós somos duas pessoas que estão sempre a mudar de ideias. Mas mudámos as regras porque, a partir deste e para os próximos dois, vai sempre haver temas. Isso quer dizer que, chegando a um consenso do que é o tema, ele faz as músicas e as letras, eu faço a minha parte de convidar os ilustradores, fazer vídeos à volta do tema e não daquilo que é a música ou à volta daquilo que seja a letra da música. Na Mosca isso aconteceu completamente, porque foi numa altura em que ainda não fazia parte do projecto quando comecei a contactar as pessoas para o vídeo. Na Barba aconteceu um bocadinho, a história é diferente da música, mas estão interligadas. E neste a história do vídeo é completamente diferente do que é a história da música.
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Então e na «Pássaros», qual é que é a história do vídeo e qual é que é a história da música?
SF: O vídeo foi baseado na historia do Corvo e da Raposa, sendo que a miúda loira é o queijo. É um conto em que o Corvo se gaba imenso e arranjou o queijo, e a Raposa quer o queijo e aproveita que o Corvo é um grande gabarolas e põe-no a falar e ele deixa cair o queijo e a raposa ficou com o queijo. Mas foi uma interpretação de maneira diferente, foi – também usando um bocado este tema das máscaras – uma relação entre duas pessoas, uma delas que se mostra como sendo uma coisa, mas acaba por deixa sair que é outra, então daí essa transformação de humano para corvo, porque parece humana mas na verdade é um corvo, é uma coisa diferente da que a aparenta. Enquanto que a terceira rapariga que entra mostra logo aquilo que é, mostra logo a raposa que é e só depois se adapta. É uma história de amor que corre mal e depois outra que corre bem. A história da música não tem nada a ver.
BB: A história da música foi o que deu o nome ao tema que é «Casa para Passáros». Este foi também o primeiro em que me envolvi na história da letra. Foi o Miguel dos Brass Wires Orchestra que escreveu, mas eu é que lhe dei um tema e eu é que o ajudei. Não sei se conhecem aqueles periquitos grandes – ou mini-papagaios, whatever – e há mais casos destes no mundo animal, que é quando um morre, o outro morre passado uns dias, porque morre de desgosto amoroso. E eu passei isso no ano passado com os meus avós, eles eram super apegados, casados desde sempre e o amor da vida um do outro, e um morreu numa semana e o outro logo a seguir. E isto era uma coisa que andava a remoer e senti que era uma forma de a expandir e partilhar isto e respirar mais fundo. E daí o nome. Casa desses pássaros.
SF: E é mais do que isso. Há uma música, que foi a que soltámos, e depois há um remix e já havia logo desde o inicio. O BB fez logo duas partes de música. Uma é a Pássaros e outra é a Casa, passa da Casa para a Pássaros, só que soltámos isto no formato contrário.
BB: Assumidamente, era para ser uma só música.
SF: Era para ser um vídeo e uma música de 9 mn. Não ia ser fácil de assimilar uma música tão longa. Não tão fácil como agora se lançarmos agora a segunda parte. E assim temos uma desculpa para dar um evento agora em Novembro em que vamos soltar a segunda música, vamos mostrar projecções, vamos ter o trabalho de ilustração e de escultura, vamos dar abracinhos às pessoas. E é uma oportunidade para fazermos uma coisa aberta o público, conversar um bocadinho, beber um copo, tar assim umas horinhas, é uma matineé, só vai acontecer naquele dia, a 15 Novembro. Ou vieram ou não vieram. Vai ser no Adamastor Studios, nos Restauradores, acho que é as cinco da tarde.
E vai ter parte musical?
SF: Tem os convidados, vai ter a apresentação da música nova… ao vivo.
Isto não é um projecto para ver ao vivo, certo? Não vamos ver um concerto de Pernas de Alicate…
BB: Não. Acho que nem é essa a questão. O nosso projecto tem os ilustradores, os fotógrafos, etc. Se eu alguma vez quisesse fazer uma cena ao vivo tinha de ser uma espécie de exposição com um concerto – que é um bocadinho o que vamos tentar fazer neste evento.
SF: Mas em escala pequena.