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Mónica Ferraz: «Não sou só baladas»
Mónica Ferraz está de volta para o segundo álbum a solo. Encontramo-la na Estufa-fria, em Lisboa, e nesse cenário de natureza no meio da cidade a cantora disse sentir-se em casa. Serena e «sem medo», a cantora apresenta um novo álbum que diz ser mais pessoal do que o anterior. Escrito durante os dois anos de digressão, «Love» reflecte as experiências de estrada, e da recente maternidade. Foi sobre tudo isso que falámos.
Estás a lançar o álbum «Love», que tem canções que foram compostas no autocarro de digressão, e nos quartos de hotel por onde foste passando. De que forma é que isso influenciou as temáticas das canções?
Eu tinha pensado que desta vez queria trazer um bocadinho de palco para o disco, ter o realismo das coisas. Por exemplo, fiz takes inteiros de voz, porque queria ouvir aquele cansaço…Quando estou em palco, no fim das músicas a voz já está com mais ruído, mais grão. Eu queria transportar isso para o disco porque gosto dessa realidade, das coisas cruas. Então resolvemos fazer isso, e trazer também um bocadinho daquelas coisas todas que eu passei durante estes dois anos. Foram dois anos de dedicação intensa, e entretanto também fui mãe e isso ajudou à composição. A sonoridade, e as letras, é tudo muito real.
Eu tinha pensado que desta vez queria trazer um bocadinho de palco para o disco, ter o realismo das coisas.
Este álbum é precisamente dedicado ao teu filho Ian, e tens uma canção chamada «Baby Blue» inspirada nele. De que forma é que a maternidade te influenciou enquanto compositora?
Olha, deixei de me preocupar com coisas estúpidas (risos). Sou uma pessoa bastante tímida, e fiquei um bocadinho menos depois de ter sido mãe, até porque me preocupo com outro tipo de coisas que não as picuinhices. E claro, a composições fica, mais atentas àquilo que eu de facto conseguia fazer, estão muito mais maduras…sem medo. Estou sem medo. Tenho um pequenino para tratar, e não preciso de me preocupar com outro tipo de coisas. Tenho ali o Ian, por isso é que lhe dediquei o disco.
No lado oposto tens uma música chamada «Shallow», e outra que é o «Don’t Stop», que falam mais do lado fútil, e da tentativa de as pessoas serem quem não são. Apanhaste muito isso na estrada? É o oposto do amor de que fala «Baby Blue»?
Se reparares eu pus o «Baby Blue» no final do disco, até um pouco separado das outras músicas, até porque é uma música muito especial, eu costumo dizer que é um hino à vida do Ian. É um hino ao nascimento, à primeira vez que eu o vi. Não consegui encaixar. Não queria tirar, porque o disco é dedicado a ele, e fala de amor. Este é o lado do amor, que é o lado do Ian, e de mais outras canções, mas depois tem o lado do desamor. O «Don’t Stop» é mais a falar da futilidade que eu apanhei muito, muito! Com a evolução do meu trabalho, cada vez vou conhecendo mais pessoas, e conheço muitas pessoas interessantes, mas muitas pessoas muito fúteis. Isso deixa-me estranha, não gosto, não consigo lidar bem com isso, então resolvi escrever. Se calhar no disco anterior não fazia tanto sentido, porque não estava tão atenta para esse tipo de factores, também não tinha tido esta digressão tão intensa, onde conheci tanta gente. Esse tema fala daquela gente que vai para a discoteca, e de repente acham que são os reis do mundo porque têm os colegas, e as bebidas, passam pelo meio das pessoas e que se acham o máximo porque conhecem o RP. Acho isso completamente ridículo! Depois há mais do que isso…Ui! Se estivéssemos aqui a falar de pessoas fúteis…O «Shallow» também fala disso, mas também fala muito de amor, tristeza, desânimo e inveja, que também se vê muito na estrada.
Estou sem medo. Tenho um pequenino para tratar, e não preciso de me preocupar com outro tipo de coisas. Tenho ali o Ian, por isso é que lhe dediquei o disco.
Escrever isso também foi uma espécie de catarse para quando estavas a viver isso tudo?
É um bocadinho exorcizar essas coisas todas de que eu não gosto. Felizmente tenho esta forma de expressão, de escrever sem ofender, e fazer aquilo que eu gosto.
Entre as actuações, a composição e a maternidade, como é que se fez o equilíbrio?
O Ian andou comigo estes dois anos, por isso eu nunca me separei dele (risos). Só agora é que ele entrou para o colégio, e só agora é que eu estou a cortar um bocadinho o elo, e ele comigo também. Está a custar aos dois! Aquele espaço entre os concertos e a chegada à outra cidade dá muito tempo para pensar. Eu tenho muitas ideias, sou muito fotográfica, então tenho que estar sempre a fazer coisas. Por exemplo isto (aponta para as plantas e árvores da Estufa Fria, onde se realizou a entrevista) já me vai dar para escrever. Tenho um piano, e não é um esforço. Sento-me, e pode não sair nada, mas pode sair muita coisa. Tenho que estar sempre a fazer. Eu não sou de falar muito, e gosto de estar sentada a ver e a tentar perceber a vida das pessoas. Não é coscuvilhice, é tentar perceber o que é que elas estão a pensar, adoro isso. Por exemplo, eu quando estou a escrever, estou sempre a imaginar uma longa-metragem. Por exemplo, o (vídeo do) «Let Me Be» foi feito pelo Marco Oliveira, realizador do Porto, e eu expliquei-lhe exactamente que queria que as imagens não absorvessem a intensidade das palavras e da canção. Ele percebeu exactamente o que eu queria, e fez-me esse vídeo que estava na minha cabeça: focado em mim, nas palavras, e no peso da canção. Deu este resultado que eu adoro, é simples, sou eu, focado em mim, e nas minhas coisas, simples, nada de muito elaborado. É aquilo, e é essa imagem que eu quero passar com esse single.
Não sou de falar muito, e gosto de estar sentada a ver e a tentar perceber a vida das pessoas. Não é coscuvilhice, é tentar perceber o que é que elas estão a pensar, adoro isso. Por exemplo, eu quando estou a escrever, estou sempre a imaginar uma longa-metragem.
Então consegues imaginar as tuas canções associadas a um filme, ou tinhas que ser tu a fazer esse filme para isso acontecer?
Se fosse um realizador que se apercebesse exactamente do que eu quero, como o Marco Oliveira – que parece que entrou na minha cabeça como aquele filme «Quem quer ser John Malcovich?» – se isso acontecesse com outros realizadores era ouro sobre azul. Mas é engraçado, porque quando estou a ouvir as minhas músicas viajo sempre pelas mesmas imagens, não construo outras. É sempre o mesmo filme.
Ao longo destes dois anos terás visto muitas pessoas, e ouvido muitas histórias, como é que foi seleccioná-las até chegar ao álbum?
Ficam sempre algumas histórias para trás. Por exemplo, quando oiço um disco, gosto de ouvir um disco compacto, que não seja chato, nomeadamente longo. Acho que as pessoas já nem sequer têm paciência para ouvir um álbum inteiro, quanto mais um álbum com 13, 15 músicas. Acabam por se perder coisas, porque as pessoas chegam a meio do álbum e acabam por não ouvir aquelas músicas que nós gostávamos que se ouvisse. É difícil, porque é como se estivesses a escolher os filhos, tipo: «este vai para o lixo, e este fica». (risos) É igual, porque a dedicação é tanta, desde o primeiro acorde…
Foi o facto de estas histórias serem pessoais que levou ao nome «Love» para o trabalho? É um trabalho de amor?
É, é um trabalho de amores e desamores. Toda a gente se pode identificar. Tem a ver com histórias minhas, histórias que eu imaginei, histórias de outras pessoas…tenho uma equipa muito grande, com muitas histórias, e estou sempre a absorver tudo. Costumo chamar de ‘gang’ porque é a minha família. Nós andamos na estrada, e já toda a gente aponta e diz, «aquele gajo está triste». Há uma cumplicidade muito grande.
Acho que as pessoas já nem sequer têm paciência para ouvir um álbum inteiro, quanto mais um álbum com 13, 15 músicas.
Este é o teu segundo álbum a solo. Já te sentes confortável com o teu nome na capa, ou já te sentias no primeiro?
Já sentia. Eu sou uma pessoa de decisões, e quando eu decidi lançar-me a solo já tinha tudo resolvido na minha cabeça. Quando te lanças a solo ficas despida, não é? Quando tens uma banda estás protegida, que era o que eu tinha com os MESA. Mas quando decidi, já estava tudo definido na minha cabeça. Tive muita gente que me apoiou, nomeadamente o André Indiana, que ouviu os meus temas e disse: ‘O que é que tu estás a fazer com isto na gaveta?’.
Foi precisamente o André Indiana que produziu o teu álbum. O que é que ele traz ao teu som?
O André Indiana, no «Start Stop» era só produtor. Neste álbum é também letrista e compositor, como eu. O André é um excelente músico, um excelente produtor. É um artista completo, toca montes de instrumentos…eu costumo dizer que ele só não toca sopros, porque ainda não aprendeu! Um dia destes ainda chega lá. (risos) O André traz uma cumplicidade musical muito grande, que é importantíssima. Quando estás no estúdio nem precisas de falar, que a outra pessoa já percebe. Para as coisas correrem bem, e certo, tem que haver essa cumplicidade, e eu consegui encontrar ali. Ele é brilhante. Trouxe a bagagem dele, destes anos todos de música que ele tem.
Foi facilmente adaptada à tua bagagem?
Exactamente. Eu não sou só baladas, no disco há uma mistura de electrónica, com soul, com rock, e o André tem tudo, tem as baladas, tem o lado rockeiro, e tem a parte de soulman, que muita gente desconhece.
Disseste-me que trouxeste o palco para o álbum. Agora, vais levar o álbum para o palco?
Essa é que é a parte pela qual eu estou mais em pulgas! (risos) Estou ansiosa de levar para o palco, e experimentar as novas canções que não tivemos oportunidade de experimentar na tournée passada. Nestas apresentações de Outubro no Armazém F e na Casa da Música, temos mais seis elementos que se vão juntar à banda. Vou levar o quarteto da orquestra nacional que gravou o «Let Me Be» no disco para a estrada, pelo menos para estas duas datas, e vou ter mais duas vozes no gang. Vai ser como está no álbum, e melhor, mais envolvente, por causa do público. Nós gostamos muito de interagir com o público, e bebemos muito daquilo, de toda a energia do espaço em que estivermos.
Sentes que as canções já podem ser outras quando terminar a digressão?
Completamente. Se pudesse regravar o disco anterior no fim da digressão…as canções cresceram. Se calhar um dia faço isso.
Mónica Ferraz apresenta «Love» no Armazém F, em Lisboa, a 17 de Outubro no Armazém F, em Lisboa, e a 31 de Outubro na Casa da Música, no Porto.