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Peixe: «A vida é uma procura, e a música também»
Uma fotografia deste momento. É assim que Peixe descreve o seu mais recente álbum «Motor». Falámos com o músico sobre o trabalho, o segundo a solo que edita, a relação com a «solidão» em palco, as bandas-sonoras, e muito mais
MYWAY: Lançaste recentemente um novo trabalho em nome próprio, chamado «Motor». Encontraste com ele a tua identidade, ou ainda estás à procura?
Peixe: Acho que ainda estou à procura. Quando encontrar acho que paro e não faço mais nada. É um bocado como a vida. Acho que a vida é uma procura, e a música também. Daí a minha vontade de fazer coisas diferentes, e de romper um bocado com o passado. Realmente tento descobrir-me como músico, como interprete, e como autor também, para perceber onde está a minha identidade. Sinto que este disco é importante neste processo, mas eu vejo os discos um bocado como fotografias de épocas, de momentos. Este disco revela a minha personalidade, de facto, mas se calhar daqui a um ano a fotografia vai ser outra.
MYWAY: O que é que ele retrata?
Peixe: Ele retrata aquilo que me inspira neste momento, que são as pessoas com quem eu estou, as relações que eu tenho, e o sítio onde eu vivo – a cidade do Porto – todos esses estímulos do momento, e do espaço onde eu estou. Por outro lado, também retrata todo o meu percurso. É um retrato também de todos os projetos por onde passei, as coisas que fiz…está tudo condensado neste disco. Aliás, qualquer coisa que eu vá fazendo – ou que qualquer artista vai fazendo – é sempre resultado daquilo que ele já viveu antes. É um misto disso com o instantâneo da fotografia. Se tirares a fotografia de uma pessoa, vês que a pessoa está num determinado sítio, num determinado cenário, mas vês a cara da pessoa, com as rugas, com os cabelos brancos, com tudo o que está para trás.
MYWAY: O que é que soa diferente em relação ao álbum anterior, para quem ouvir este trabalho?
Peixe: Hhmm…eu acho que este é menos uma experimentação da guitarra, por um lado. O outro tinha mais improvisação, penso eu, e as músicas eram mais etéreas, digamos assim. Neste aqui, até pelo nome, está mais presente a ideia do andamento, da pulsação, desse tipo de coisas. É se calhar mais melódico, também. Acho que revela também um crescimento enquanto compositor com a guitarra acústica. O outro poderá ter a frescura das primeiras experiências, e aqui é o limar da tarefa, e as coisas feitas com um bocado mais de controle.
Este projeto é o meu motor, é a cenourinha pendurada à frente que me faz andar. Acima de tudo é intuitivo, não interessa saber porquê. É quase como se o título já existisse, nós temos é de descobri-lo.
MYWAY: O nome motor indica, então, o tom do trabalho?
Peixe: É engraçado, porque há uma música no disco que se chama motor, e essa música particular tem uma afinação muito grave, e o tipo de arpejo que estou a fazer fez-me lembrar o som de um motor, e decidi chamar «Motor» a essa música por causa disso. Entre as músicas todas do disco, era a que me agradava mais instintivamente para ser nome do disco. Depois pensei em que metáfora podia criar, ou que leitura podia ter, e como este disco – em relação ao primeiro – também é mais desafiante em termos técnicos, no lado físico da interpretação, achei que também fazia sentido por esse lado. Por outro lado, aquilo que disse há bocado, sobre a música ter mais pulsação, ser mais «andante» do que no outro disco, também podia ser uma boa relação com esse nome. Depois por último, pensei que a música é o meu motor. Este projeto é o meu motor, é a cenourinha pendurada à frente que me faz andar. Acima de tudo é intuitivo, não interessa saber porquê. É quase como se o título já existisse, nós temos é de descobri-lo.
MYWAY: Estiveste muitos anos em bandas, foi fácil passar para este registo a solo, tão despido?
Peixe: No que toca à performance em público, é um bocado angustiante, não é uma coisa com a qual me sinto completamente confortável. Se bem que também é uma coisa que vai sendo menos angustiante à medida que vou tendo mais experiência. Também é muito gratificante, mas é uma relação um bocado bipolar. Por um lado, é fantástico tocar sozinho, o que descubro de mim próprio quando estou a tocar é mesmo estimulante. Por outro lado, estás completamente exposto. O desafio é uma pessoa conseguir concentrar-se, e esquecer-se do sítio onde está. Isso nem sempre acontece, e quando acontece pode ser uma experiência desconfortável. É sempre bom estar sempre a comunicar, a mostrar as músicas, e a fazer aquilo que mais gosto, mas às vezes é frustrante, porque eu acho que devia tirar mais em termos de gozo. Às vezes faço concertos que até acho que foram bons, e toquei bem, em que a única coisa que me entristece é que podia ter-me divertido um bocado mais. Isso acontece quando fico mesmo muito muito focado, e entras numa espécie de transe que é mesmo fixe. Quando acabas sentes que estiveste a 100% ou a 200%. Acho que neste tipo de música é suposto que isso aconteça sempre. É um bocado isso que eu procuro, é dominar a concentração a um ponto em que quando vou tocar já sei que consigo ser imune às coisas físicas que me rodeiam, e estar só focado mentalmente. Eu acho que é possível isso, haver um domínio, não ser só uma coisa que acontece de vez em quando.
MYWAY: O facto de este álbum ser mais desafiante tecnicamente ajuda a essa concentração, ou torna-a mais difícil por estares a pensar no que tens de fazer?
Peixe: É uma tentação estarmos concentrados nessa questão, no que é que vem a seguir, estarmos sempre muito focados em tudo. Mas acho que a dada altura, a concentração passa a um nível em que controlas essas coisas todas, mas de uma forma mais abstrata, nem pensas, e a coisa sai-te toda. Claro que para isso, a pessoa tem de dominar aquilo que está a fazer, mas já me aconteceu isso, a dada altura não estar minimamente a pensar racionalmente no que estou a fazer, e sai-me muito melhor. Há uma piada que eu costumo fazer, que diz: um dia perguntaram à centopeia qual era o par de patas que ela mexia primeiro, e ela ficou imóvel. É um bocado isso, às vezes pensar é contraproducente.
MYWAY: Este disco tem duas músicas que foram feitas para bandas-sonoras. Dá-te gozo compor a partir de imagens?
Peixe: Sim, dá. É um ponto partida que estimula a fazer qualquer coisa que não faríamos de outra forma, e também é um exercício muito interessante. A música para teatro, ou para cinema, tem de cumprir uma função, mais do que a música que existe apenas porque alguém se lembrou de fazer. É um excelente exercício que nos pode ajudar nas coisas que vamos fazer a seguir, quase que é um exercício de aprendizagem, mas não é fácil.
MYWAY: É mais complicado?
Peixe: Não sei…por um lado há um estímulo, e esse estímulo cria logo pontos de partida, percebes? São coisas muito diferentes. Penso muito na instrumentação, também. Normalmente faço música através a guitarra, mas quando faço música para teatro já penso mais nos instrumentos que posso usar para que aquilo funcione bem. Agrada-me pensar mais «plasticamente», pensar se vou usar madeiras, metais, ou inventar instrumentos, ou inventar e copos afinados…todos os sons assim mais hipnóticos atraem-me mais quando faço música para teatro ou cinema.
MYWAY: O que é que tens preparado para os concertos de apresentação deste trabalho?
Peixe: Há duas formações. Uma formação a solo, em que sou eu a tocar guitarra sozinho, e o repertório são basicamente os meus dois discos, e tenho outro formato, que foi a que apresentei no ano passado no Festival Bons Sons, que é em trio com o António Serginho – que tocava comigo nos Zelig, e tocava com o Manel Cruz – e com o Nico Tricot, que é o multi-instrumentista que tocou flauta no meu disco. Nesse formato, a primeira parte do concerto é só guitarra solo, e na segunda parte é com eles. Como ambos são multi-instrumentistas, vamos alternando os instrumentos, vão pincelando as minhas músicas com outras cores.