Notícias
António Manuel Ribeiro: «Há muita dificuldade em divulgar música portuguesa em Portugal»
Aproveitámos a nossa conversa com os Corvos, a propósito do álbum «Corvos Convidam», para falar com um dos convidados do álbum, António Manuel Ribeiro. O vocalista dos UHF cantou «Rua do Carmo» com a banda, e falou connosco sobre o resultado da versão, a música portuguesa nos anos 80, e a música portuguesa agora. Sem filtros.
MYWAY: Como é que foi ouvir a «Rua do Carmo» nesta nova versão, criada pelos Corvos?
António Manuel Ribeiro: Cada vez que fazem uma versão de uma canção minha, sinto que alguma coisa está a ser acrescentada, é uma nova leitura. As canções tornam-se maiores no tempo quando outros músicos vão agarrando, vão refazendo, e mostrando às novas gerações aquilo que foi feito lá atrás.
MYWAY: Ao cantar o tema com estes novos arranjos, sentiu que ainda era seu?
AMR: Sim, sim, aliás, previamente enviaram-me a música só para eu ouvir se estava de acordo, e claro que há momentos que não são fiéis em relação ao arranjo da música dos UHF, mas isso é normal. A estrutura toda está igual. Adaptei-me, talvez seja menos gritada, esta versão. Era para aí que me puxava a harmonia dos violinos, e esta canção.
MYWAY: Consegue imaginar um novo álbum dos UHF, com novas versões de clássicos como este?
AMR: Consigo. Eu acho que isso deve ser feito, sabe? Isso é um desafio. Eu próprio, para aí há vinte anos comecei a mexer no repertório do José Afonso, o que é sempre perigoso, porque é genial. Quando mexemos em alguma coisa que tem uma força muito forte, obriga-nos a um trabalho muito concentrado. Portanto, se isso acontecer, ainda bem. As canções vivem destes rearranjos. É assim que elas se tornam um bocadinho eternas.
MYWAY: Porquê José Afonso?
AMR: Nós olhamos para os UHF, e digamos que temos uma música muito urbana, muito elétrica, muito pesada, muito citadina. O José Afonso é quase bucólico em muitos momentos, mas eu acho que essas fronteiras são um bocado fronteiras de debate académico, e teóricas. Quando nós agarramos nas coisas, a música começa a funcionar, é uma espécie de caudal de boas emoções. Eu tenho tido momentos muito felizes quando faço arranjos de José Afonso, porque consigo – sem desvirtuar a canção – dar-lhe uma nova roupagem, e mostrar a canção hoje em dia. Eu já cheguei a anunciar uma canção do José Afonso em sítios deste país onde não sabiam de quem eu estava a falar. Estou-me a lembrar dos Açores, há três anos, onde estávamos a tocar para filhos de emigrantes, e muitos deles vivem 11 meses nos EUA, na Venezuela, na África do Sul, e no fim perceberam que havia ali qualquer coisa. Acho que isso é fundamental para não deixarmos morrer as coisas bonitas. José Afonso quase não se ouve na rádio, não se vê na televisão – é muito estranho – e portanto é assim que nós damos nova vida às coisas.
MYWAY: Este álbum dos Corvos conta exclusivamente com canções dos anos 80. Vê essa época como uma era dourada da música portuguesa?
AMR: Hm. Eu não gosto muito de «épocas douradas», mas é um facto que foi. Nós (UHF) e o Rui Veloso lançámos um movimento musical sem saber que o estávamos a fazer. No fundo, o que se passou foi que duas canções tiveram um enorme sucesso: o «Cavalos de Corrida», e o «Chico Fininho». Rapidamente a indústria percebeu que as pessoas não só gostavam, como batalhavam por espetáculos, por discos, por novas canções. Isso gerou uma corrida das editoras a um movimento musical que engrossou imediatamente. Como todos os movimentos musicais que são feitos de inchaço rápido, havia muita coisa que não tinha nenhum interesse, e que desapareceu rapidamente. Depois ficaram estas coisas que agora os Corvos foram buscar. Quando em 80 tudo isto se transformou foi o primeiro grande abanão na música portuguesa no pós-25 de abril.
A rádio faz um favor quando passa música portuguesa, quando devia ser o trabalho normal
MYWAY: Como é que vê o rock português na atualidade?
AMR: Há coisas muito interessantes. Há muita coisa dispersa. É difícil hoje em dia uma banda nova aparecer, e às vezes não são os mais interessantes que aparecem. Há muita dificuldade em divulgar música portuguesa em Portugal, nomeadamente em termos radiofónicos. A rádio faz um favor quando passa música portuguesa, quando devia ser o trabalho normal. Exceto talvez a Antena 1, que faz o serviço público, e passa música portuguesa, é um frete. De vez em quando lá deixam passar alguma coisinha, e quando assim é, perdemos o fio à meada. Também há muitos jovens a fazer música para o próprio umbigo, e como não conseguem entrar no mercado, destroem o trabalho vulgarizando-o na Internet. A Internet pode ser um bom serviço de divulgação, mas pode ser também uma plataforma de banalização. Acho que vivemos um tempo de ajuste, que espero que acabe depressa para que apareçam coisas novas.
MYWAY: O que é que aconteceu entre essa altura em que explodiu o rock nacional, e este momento que considera ser o total oposto em termos de visibilidade para a música portuguesa?
AMR: Há música portuguesa que tem um fundamento estético, e houve aí outra vez uma vaga de gente a tentar cantar em inglês. Há sempre uma teimosia cíclica, e isso muitas vezes desfaz o interesse das pessoas. Curiosamente, às vezes há projetos que são muito bem promovidos, e não têm nenhum reflexo junto das pessoas. O interesse da música parte das pessoas que são capazes de fazer música, e que essa música reflete-se num público. Vou talvez criar um exemplo simples, que é este: muitas vezes perguntam-me nas minhas entrevistas qual é o sucesso dos UHF – como se isto fosse uma bola mágica ou coisa que o valha – o sucesso dos UHF são as canções que as pessoas gostam. Sem canções e sem público não havia UHF. Podíamos existir, mas era daqueles projetos em que as pessoas têm um trabalho, trabalham das 9 às 17h a fazer uma coisa qualquer, e depois vão para dentro de uma sala de ensaios. Nós não somos assim, nós somos mesmo músicos, trabalhamos, preocupamo-nos, inclusive pensamos um bocado como vai ser amanhã. Nós estamos, por exemplo, a pensar no som do próximo disco, e só vai sair para o ano.
MYWAY: Já têm ideia de como soará?
AMR: O que eu posso dizer é que o que tenho neste momento são uma série de canções que estamos a ensaiar, que nos estamos a divertir, e depois das canções, temos de ir à procura daquilo que é a sonoridade, que cheiro, que perfume vamos trazer para este disco. Nós trabalhamos assim, com muita calma e uma boa antecipação, até porque o último disco foi ao vivo, e por isso dá-nos tempo para fazermos as coisas com calma.