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Capitão Fausto: «Ficámos fechados duas semanas, quase em retiro»
É um dos álbuns mais aguardados do rock nacional e já começou a ser lançado. Os Capitão Fausto estão de volta com «Pesar o Sol», em que vestem o psicadelismo e trazem músicas com «um bocadinho mais de ar, mas não com menos energia».
O MYWAY foi falar com a banda à hora do lanche (faltou apenas o baterista Salvador), e entre coca-colas e tostas mistas, Domingos (baixo), Francisco (teclados), Manuel (guitarra) e Tomás (voz e guitarra) falaram sobre a influência do ambiente de gravação para o som novo disco, de um ruivo, das diferenças do álbum anterior, vinhas e retiros mais ou menos espirituais.
MYWAY: Vocês gravaram este «Pesar o Sol» fechados numa casa, isso influenciou de alguma maneira o vosso som?
Domingos: Acho que muito. Na verdade foi uma casa, e foi gravado numa adega dessa mesma casa que é dos familiares do Salvador, e a grande diferença do «Gazela» para este é que, enquanto o Gazela foi gravado num estúdio pequenino, onde tínhamos horários para cumprir, tínhamos que entrar às dez e sair às sete, se quiséssemos ficar mais tempo a gravar era mais complicado, neste tínhamos o tempo que queríamos e não estávamos tão ligados àquele tempo de estúdio. Isso deu-nos mais tempo para arranjar o som que queríamos, para procurar o que queríamos fazer…
Manuel: E se por acaso estava a correr bem e não nos apetecia parar, sabíamos que tínhamos mais tempo…
Francisco: Também influenciou a outra casa em que compusemos as músicas mesmo, também há essa diferença do primeiro disco, onde as músicas não foram todas compostas no mesmo período de tempo. Desta vez dedicámo-nos e ficámos enfiados duas semanas numa espécie de retiro quase religioso (o resto da banda ri-se da expressão) em que acordávamos de manhã…vá no primeiro dia acordávamos de manhã, depois foi cada vez mais tarde, mas acordávamos cedo, pegávamos em instrumentos e ficávamos a tocar as horas que fossem precisas. Isso influenciou não só o som do disco, mas também a própria estrutura e essência das músicas.
Manuel: Sim, foi mais relaxado, mais pensado…
MYWAY: Pode dizer-se que o facto de as músicas serem mais aceleradas no primeiro e mais calmas neste, também tem a ver com esse processo de gravação?
Manuel: Também tem a ver com o som que fomos construindo ao longo do tempo, e que é bastante diferente do que tínhamos no «Gazela» e isso também ajudou para chegar aí.
MYWAY: Apesar do som ser muito diferente do «Gazela», a música que fecha esse álbum, «Raposa II», já indicava o som psicadélico que vocês apresentam agora. Foi uma música de transição?
Manuel: Isso tem uma razão de ser, eu acho, é que o «Gazela» está ordenado por ordem cronológica e a «Zécid» e a «Raposa II» são as últimas músicas que fizemos, sendo que a «Raposa» chegou a ser feita mesmo no dia antes de irmos gravar.
Domingos: Essa é outra coisa, eu acho que quando falavam sobre nós e diziam «os Capitão Fausto psicadélicos», o «Gazela» não vai propriamente para esses lados sem contar, diria eu, com essas duas últimas músicas.
Manuel: Era mais por causa do que fazíamos ao vivo
Domingos: Era mais por causa disso, sim. Agora este já bebe mais dessas referências, e de outras também.
MYWAY: Então quer dizer que as últimas músicas que gravaram para este também vão ser indicadoras do que vem aí?
Manel: Não, porque este foi escrito de uma maneira muito diferente. Lá está, como o Francisco disse, fomos para uma casa escrever o disco. Havia uma ou duas ideias, que já tínhamos, mas tirando isso foi tudo em duas semanas.
Tomás: O que é importante saber é que como o «Gazela» era um apanhado das músicas todas que nós tínhamos até resolver fazer um primeiro disco, fez-nos algum sentido que estivessem por ordem cronológica, porque tinham uma certa evolução, podiam contar melhor um percurso. Acabou por não ser propositado que o fim do disco tivesse mais a ver com o disco seguinte, foi só uma consequência de termos ordenado dessa maneira cronológica. Neste disco, a ordenação foi planeada em termos de conveniência sónica e ordenação de ideias. Como foram todas feitas na mesma altura, são mais parecidas umas com as outras, mais uma unidade.
Francisco: O disco é mais redondo, enquanto se olhares para o «Gazela» são várias pontas soltas.
MYWAY: Antes deste lançamento, estiveram a apresentar algumas músicas novas ao vivo, isso deixou-vos mais receosos, ou mais confortáveis em relação ao lançamento?
Manuel: Eu até fiquei mais confortável porque é sempre um desafio voltar a tocar. Ainda por cima este disco foi gravado há muito tempo e nós estivemos muito tempo sem o tocar. Foi engraçado, depois quando voltámos a tocar o disco, pôr a coisa a soar como ela deveria estar, aprender outra vez as músicas. Acho que a tour ajudou imenso nisso.
Francisco: Foi também uma espécie de preview de como é que as músicas resultam ao vivo. Embora as pessoas não conhecessem, foi bom para ver como as pessoas as pessoas reagem às músicas, e especialmente como é que nós nos sentimos a tocar as músicas, que alterações precisam de ser feitas, ou seja, foi uma grande ajuda tocar as músicas na digressão.
MYWAY: Os vossos concertos são conhecidos também pela energia que vocês dão em palco, o facto de estas músicas serem mais calmas alterou de alguma maneira…
Domingos: Eu devo dizer uma coisa que é: Elas não são mais calmas, são se calhar mais…
Manel: Planantes
Domingos: Mais planantes, sim, mas nem todo o disco é nesse sentido
Manel: Às vezes é um planar rápido
Francisco: Este disco, embora não tenha um ritmo tão frenético como o «Gazela», é um disco acelerado, mas com partes que vão abaixo, outras que vão a cima, mas tem sempre um ritmo assim…
Tomás: É menos histérico. No outro, tinhas as coisas muito condensadas em tempos pequeninos, este acho que tem um bocadinho mais de ar, mas não tem menos energia.
Francisco: Isso foi mais uma prova que tirámos ao ver como as músicas funcionavam ao vivo, excepto a «Célebre Batalha de Formariz», que é sem dúvida a mais frenética do novo disco, as pessoas reagiram bem às músicas que não são tão frenéticas, pode não ser toda a gente aos saltos, mas vê-se que as pessoas estavam a gostar.
Domingos: Mesmo não sendo frenéticas, elas vivem de energia. Até a própria forma como gravámos o disco (todos juntos a tocar ao mesmo tempo), faz com que viva muito dessa energia de puxar para a frente.
Manuel: Tem muita energia, tanta ou mais que o «Gazela», mas é uma energia diferente.
MYWAY: O último vídeo que lançaram foi já para o segundo single, «Maneiras Más», como é que surgiu a ideia?
Domingos (entre risos): Basicamente, a nossa ideia era ter um ruivo no vídeo. Isso era o ponto principal.
Francisco: Exactamente. Um ruivo, e num ambiente estranho a um ruivo, tipo uma floresta.
Domingos: Basicamente aproveitámos o facto de essa adega onde fomos gravar tem obviamente vinhas, e achámos por bem pôr o ruivo a passear pelas vinhas. Depois como tínhamos de arranjar tempo para pôr o instrumental, dissemos: então bora aparecer a tocar no céu. Não há mensagem nenhuma a passar, era só um conjunto de imagens bonitas, ou alguma coisa forte que queríamos ter, associada à ideia de ter um ruivo.
Tomás: E existe nitidamente a representação de um contacto muito intenso entre uma pessoa que tem um ar bastante urbano, envolvida só em coisas completamente naturais, sem ocupação humana.
Francisco: Por acaso nesse vídeo houve uma certa ligação com um dos temas subentendidos no disco, que é a viagem. A personagem está assim numa procura não se sabe bem do quê, mas está a viajar nesse tal ambiente. Essa será a única ligação conceptual do vídeo.
Tomás: Nós passámos muito tempo em vinhas e houve um grande foco sobre isso na altura de fazer o disco.
Francisco: Aliás, o nosso próximo vídeo («Litoral», que entretanto já saiu) foi também filmado na adega onde o gravámos.
MYWAY: Então o sítio onde gravaram foi definitivamente marcante?
Tomás: Sim, eu acho que a primeira pergunta foi bastante boa, porque pode ter definido muito o disco, ele ter sido feito ali, daquela maneira, sem nós termos saído muito de lá…
Francisco: E estarmos completamente muito isolados das zonas mais urbanas, há uma vila muito pequenina ao lado, mas não saímos dali a não ser para dar um concerto numa área também não muito urbana. Estar tão focado numa coisa e tão isolado, faz com que tivéssemos sentido assim um certo choque quando saímos para dar um concerto. Claro que isso influenciou imenso as músicas e o som do disco.