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NOS Primavera Sound – Reportagem do 1º dia

Kendrick Lamar
©Nádia Dias para o MYWAY

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NOS Primavera Sound – Reportagem do 1º dia

Todas as fotografias tiradas por Nádia Dias para o MYWAY

 

Pelo Porto, a Primavera ainda vem disfarçada de Inverno, vestida de cinzento, cheia de frio e alguma chuva. Mas isso é só no que diz respeito à meteorologia, porque na música, chegou em forma de enxurrada. O NOS Primavera Sound abriu ontem a sua terceira edição (antes chamava-se Optimus Primavera Sound), e Kendrick Lamar matou tudo menos a vibe, as Haim mostraram que são as miúdas mais fixes que por aí andam, e Caetano Veloso estendeu um «Abraçaço» quente. Houve mais, contamos agora.

Chegamos ao recinto do festival, no Parque da Cidade, enquanto, precisamente, Os da Cidade, constituídos por Ricardo Cruz, João Salcedo por António Zambujo e Miguel Araújo, tocavam. Entre partilhas de canções de autoria mútua, como «Miúda», dos Azeitonas», ou Lambreta, de António Zambujo», os músicos acompanhavam a chegada, nada apressada, dos espectadores ao festival. Entrar no recinto do NOS Primavera Sound é, diga-se, como entrar num Oásis musical, onde até se evitam os patrocinadores aos gritos publicitários entre concertos. Foi precisamente perante esse ambiente de chegada, e descontracção, com gente que descansava na relva em anfiteatro natural, que Rodrigo Amarante subia ao palco. O ex-Los Hermanos trazia «Cavalo» na sua terceira data em Portugal, depois de ter subido ao palco em dois dias esgotados na ZDB, em Lisboa. A presença de Amarante em palco é luminosa como as suas canções, e a simpatia genuína e discreta complementa, delicada, a subtileza tropical folk com gotas de melancolia. Em canções como «Mon Nom», cantada em francês (o músico passa também pelo português e pelo inglês), ou «Irene», a melancolia transborda em poesia cantada por voz rouca a rasgar a pele. A agulha da melancolia ganha cor com o samba «Maná», e com «The Ribbon», a fechar. «A sua força era a sua voz», canta Rodrigo em «Cometa». Resta esperar que, no seu caso, a frase se mantenha sempre no presente.

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Mudamos de palco, e em menos de dez minutos começava a actuação dos Spoon. O público ainda chegava e mudava de poiso, em velocidade preguiçosa, já que espaço, por enquanto, não faltava. A banda prepara-se para editar novo álbum, e trouxe ao festival uma revisão da matéria dada, a cantar o amor com urgência angustiada, mas não pesada. «I Turn My Camera On», de «Gimme Fiction», «The Way We Get By», e «Jonathon Fisk», de «Kill The Moonlight», receberam as melhores reacções. Discretos, mas não indiferentes.

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Sky Ferreira começa a sua estreia em Portugal com uma falsa partida devido a problemas técnicos, que a foram atormentando ao longo do concerto, enquanto esta jurava ser por momentos «estranhos» destes que usava óculos escuros em palco. Ferreira é uma das representantes de parte de uma geração que se revê no conceito de beleza imperfeita e inadaptada, trabalhada com orgulho, com casa em redes sociais como o «Tumblr». A atitude reflecte-se em palco, com a admissão do nervosismo que a estaria a invadir, «estou muito mais nervosa do que achei que ia estar», e de uma timidez que a leva mesmo a colocar um casaco na cara ao anunciar «I can’t say no to myself». Transversal, Ferreira tanto actua num festival alternativo como o Primavera Sound, como nas primeiras-partes da super-pop Miley Cyrus. Durante o concerto, a cantora senta-se em frente de palco para estar mais perto dos fãs que gritavam por ela na primeira fila (a cantora chegou mesmo a reconhecer um fã que encontrou no aeroporto de Madrid) e posa para os fotógrafos em atitude divertida, brincando com o comprimento do vestido, demasiado curto para o momento. A pop electrónica de Sky Ferreira ajuda a dançar com a desilusão, e temas como «Heavy Metal Heart», «Omanko», fazem a festa, levada aos píncaros com «I blame myself», e «Everything Is Embarassing». A identidade de Sky Ferreira está bem definida com a sua música, aguarda-se que os próximos capítulos musicais continuem a estar à altura. Até agora, passa com distinção.

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Mudando completamente de tema com o novo concerto, passamos ao palco vizinho do lado para o concerto de Caetano Veloso, que voltava a apresentar «Abraçaço» em Portugal, depois de já o ter feito no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. «A Bossa Nova é foda», canta Caetano logo para abrir o concerto, mas é o rock que o domina, conforme confirma o tema que dá nome ao trabalho, e que surge logo antes de «Parabéns», dedicado às pessoas que faziam anos naquele dia, e que é cantado em velocidade de lenga-lenga. O elogio à «longevidade dos orgasmos múltiplos» de «Homem» mantém a atitude e leva Caetano a atirar-se para o chão, sublinhando-a. Se a canção «Estou triste» transmite exactamente o seu título, «Odeio Você» volta a acelerar a actuação.

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É difícil falar de clássicos quando o assunto é Caetano Veloso. São muitos, e os destaques podem ser entendidos como injustos, mas pode dizer-se que alguns dos seus temas mais emblemáticos foram deixados para o final. «Leãozinho», claro, ou «Reconvexo», «Você não entende nada» e «Desde que o samba é samba», foram cantados por coros de ancas bamboleantes, e a «Luz de Tieta» soltou sorrisos a fechar. Aqueceu em lume brando, o concerto de Caetano Veloso, no NOS Primavera Sound, mas quente, quente.

A estreia das manas Haim em Portugal fez-se logo de seguida, num dia em que apenas funcionavam os dois palcos vizinhos do festival. Em concerto, o rock com influências de Fleetwood Mac e cheirinho a girlbands dos anos 90 ganha poder, e elas também. Incrivelmente sensuais e poderosas, Alana, Danielle e Este soltam o rock das amarras e desfazem as canções com riffs tempestuosos e percussão impiedosa, enquanto nos presenteiam com uma «Oh Well», original de Peter Green celebrizado, precisamente pelos Fleetwood Mac, em versão de a transpirar blues, e fazem-no com a mesma facilidade e naturalidade com que passam para o açucarado «Honey and I». É essa facilidade e confiança no que fazem que é um dos pontos fortes das Haim. Com o álbum «Days Are Gone» para apresentar, colocam-se em casa, e Este fala em português, antes de confessar que não sabe mesmo mais nada para além dos cumprimentos habituais. A baixista, coolness nos parece inatingível, e cuja «bass face» é lendária entre os fãs, e imitada em máscara na primeira fila, toma as rédeas das apresentações, e conta como «My Song 5» é a sua parte preferida do concerto, por pôr toda a gente a «abanar o rabo», algo que diz apreciar fazer também. Imitamos-lhe a preferência, e o tema é um dos pontos altos do concerto, com a banda a dar tudo em sensualidade sem-vergonha, Alana especialmente, e poder inquebrável. Os singles «Fallin’», «Don’t Save Me Now», e «The Wire» fizeram a festa, que terminou com Alana, Danielle, e Este em percussão conjunta, ao estilo Tocá’Rufar. Excelente concerto.

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«Obrigado por trazeres o hip-hop de volta», dizia um dos cartazes de apoio a Kendrick Lamar, no NOS Primavera Sound. O rapper actuou em Portugal pela primeira vez, e foram muitos os que o quiseram ver. Considerado um outsider hip-hop em festival de rock alternativo, o público dividia-se entre os curiosos e os fãs que o vêem como um dos salvadores do hip-hop. Não será o único, mas se o hip-hop necessitasse de facto de salvação, seria um deles. Com o brilhante «Good Kid M.A.A.D City» para apresentar, Kendrick trouxe com ele uma banda que serviu de armada de apoio às canções e aos beats com samples orquestrais, ao estilo que Kanye West nos habituou. «m.A.A.d City», por exemplo, ganha contornos épicos. Os temas «Backseat Freestyle», «Swimming Pools (Drank)», e «Bitch Don’t Kill My Vibe» eram trunfos que foram distribuídos a meio do jogo, sem que este perdesse o ritmo. Lamar mostra ainda o seu lado confessional com «Sing about me, I’m dying of thirst», e o suave «Poetic Justice» intercala com uma homenagem à «West Coast», pelas palavras de Tupac em «Hail Mary». Já no encore, Lamar explica que é «Real» e sorri ao contar que o Porto o faz lembrar a sua terra-natal, «Compton», na Califórnia. Porquê? «Assim que aterrei, cheirava a erva». No final, Lamar jura que esta foi das multidões mais ruidosas da digressão. Será este o início para um circuito de hip-hop mais forte e mais transversal em Portugal? A confirmar-se, foi um excelente pontapé de saída. King Kendrick? Esta noite, sim.

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Os Jagwar Ma entram em palco já em regime de after-hours, para um público entretanto reduzido mas não cansado. Em palco, a banda contou com a colaboração de Stella Mozgawa, das Warpaint, na bateria a partir de «Come Save Me» (pedido oposto ao que as Haim tinham feito anteriormente), single do mais recente trabalho da banda, «Howlin», e foram competentes e eficazes na tarefa de deixar a abanar os corpos que ainda não estavam cansados para ir para casa.

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