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Polaroid – Carlão no Lux: O que sobra é sentimento
Cigarro atrás de cigarro, Carlão anda de um lado para o outro no palco como se fosse a primeira vez, como se não tivesse pisado tantos. O nervosismo assumido sem tangas combina com a honestidade que o músico coloca em tudo o que faz, e o sorriso preso à cara combina com a plenitude que parece ter atingido. Começaram assim, em Lisboa, as festividades dos «Quarenta» anos que o músico ainda não completou, mas que já canta.
Do lado de cá, o Lux praticamente cheio responde-lhe as letras de cor, mesmo quando o próprio as esquece temporariamente – fomos devidamente avisados que se fosse recomeçar cada música em que dá ‘pregos’, estaríamos ali até de manhã – e vai cantando pedaços inteiros de vida.
«Os Tais» – single cantado no final para gáudio das ancas que rebolaram sem vergonha – sublinha a felicidade familiar com a batida da África remisturada, e o agridoce «Kriola» cantado com Sara Tavares continua a viagem. «Blá Blá Blá» – também com Sara Tavares – e «Nuvens», com o cristalino da voz de Dino d’Santiago a brilhar planam suavemente como quem vai de férias para o calor no meio da primavera chuvosa. «Outra Casa, Outra Coisa» abriu o concerto como quem abre um novo capítulo.
Estes «Quarenta» não são, no entanto, só serenidade, e Carlão continua a ter «uma raiva a nascer-lhe nos dentes», como dizia Godinho. Além do poder económico e político atacado em «Colarinho Branco», não falta o rap de punchline, que os 5-30 tão bem reativaram, em temas como «Topo do Mundo», ou «Comité Central». Nem o TIDAL de Jay Z ficou a salvo: «já tens tanto, para que é que queres mais, c*brão».
Em «Nós», com beat gloriosamente agressivo de Agir, Carlão diz que «o que falta é sentimento». Com Carlão, como sempre, sentimento é o que sobra. Se o Pacman do passado veria assim o Carlão do futuro, não se sabe, mas no presente sabe bem ver um músico que soube crescer sem ficar velho.