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Vodafone Mexefest – A reportagem do primeiro dia

©Nádia Dias // MYWAY

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Vodafone Mexefest – A reportagem do primeiro dia

Texto por Marta Rocha e Joana Canela, fotografias por Nádia Dias

 

A música voltou a descer à Avenida da Liberdade para mais uma edição de Vodafone Mexefest. Com a música, vieram os seus amantes e curiosos com vontade de descoberta. O frio não quis sair, mas o chocolate quente servido nas ruas facilitou as caminhadas. Dentro das salas, só calor. St. Vincent, tUnE-yArds, ou Capicua estão entre as vencedoras da noite.

 

19h45, Sociedade de Geografia de Lisboa – A primeira paragem da noite que se antevia longa no Vodafone Mexefest foi na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma das mais bonitas salas que o festival ajudou a descobrir. Ao palco, Ana Cláudia trouxe o EP «De Outono» a cavalo na doçura não óbvia, e cantou como quem caminha delicada sobre as folhas. Canções como «Colher de Chá», ou «Riso» transbordam subtileza, distribuída em voz límpida e delicada, que enfrentou sem medos uma plateia flutuante. Além da versão repleta de camadas de «All Is Full Of Love», de Björk, cantada no Dia da Paz, com Ana Cláudia a sublinhar a importância do amor para acabar com a guerra, «Um Outro Caminho» deu uma lição sobre como fazer uma canção triunfante sem puxar aos contornos épicos. Nem todas as vitórias são gritadas. A de Ana Cláudia é cantada sem pressas, nem atropelamento de espaços. Deixemo-la respirar, e esperar que não siga um outro caminho.

21h00, Estação Ferroviária do Rossio – À primeira vista, JJ pareceria uma escolha mais óbvia para a primeira onda de concertos do Vodafone Mexefest. Mas algo na diversidade sonora de Sinkane pedia uma mudança de planos. Sons tribais e latinos, acordes doces e vorazes e batidas espontâneas de um krautrock moderno e o despertar de um funk rock misto em adereços jazz. Sinkane é isto: um músico norte-americano de ascendência sudanesa que encontrou nos seus artistas favoritos a inspiração com que criou o seu projecto pessoal.

Mas a interpretação transcende as músicas. Por isso, em palco, Sinkane e companheiros partilharam a febre de «How We Be» e restantes irmãs do novo disco «Mean Love», deixando sempre viva a memória dos álbuns mais antigos. Eram nove da noite e a estação do Rossio enchia-se para o ver. Sinkane, o artista que facilmente passaria despercebido no Mexefest, mas que não deixou indiferente quem passou por ele nesta noite.

21:05, Cinema S. Jorge – O ano de 2014 foi de muita gente na música Portuguesa, e Capicua foi certamente uma das artistas a carimbar presença dourada no ano que agora termina. O álbum «Sereia Louca» foi justamente aclamado, «Vayorken» tornou-se single pop que atravessou gerações e géneros, e a rapper atravessou dezenas de palcos em concertos marcantes. O do Vodafone Mexefest foi mais um, o que significa que não foi «só» mais um. Com a promessa de ser um «concerto dançado», a actuação na Sala Manoel De Oliveira contou com a participação de várias bailarinas, mas também com as vozes convidadas de Gisela João, e Aline Frazão, que também participam no álbum.

No princípio era a história do sonho – dos literais – de Capicua, que a levou até ao nome do novo álbum. A história foi explicada antes de a rapper subir ao palco, enquanto o búzio – que segundo a história diz coisas estranhas ao ouvido da Sereia – era desenhado no ecrã. Feitas as apresentações, «Mão Pesada», um dos momentos mais fortes de «Sereia Louca», demonstra o porquê de Capicua ser, na música portuguesa, a personificação do que o Feminismo foi para o mundo este ano. A ideia de mulher sem desculpas é temática que se estende a canções como «Maria Capaz», ou «Alfazema», aqui dita sem base musical. Mas regressemos ao mote do concerto dançado. Em palco começou por estar uma bailarina vestida ao estilo Frida Khalo, mas esteve também uma dançarina de ballet que se transforma em dança agressiva para a dor do quotidiano feminino e imigrante de «Mulher do Cacilheiro». Foi, mais tarde, uma muito ágil dançarina de dança do Varão que sem surpresa provocou as maiores reacções.

Quanto às vozes, Gisela João subiu ao palco para «Soldadinho», e Aline Frazão acompanhou-a em «Lupa». Sobre Gisela, Capicua disse ter «uns graves que contém todas as tristezas do mundo», e nós não conseguimos discordar. Já Aline Frazão mudou a cor da sombra trazida por Gisela, mas deixou o sentimento em «Lupa». Os excelentes momentos do disco, confirmaram-se excelentes em palco. No final, arrumadas as vozes e as bailarinas, chega Miguel Ferreira para as teclas de «Vayorken», «aquela música». Capicua pede que todos se levantem, e nem precisa de insistir muito para que toda a gente se divertisse imenso. Ana quê? Ana só. Chega e sobra.

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22h05, Coliseu dos Recreios – O Coliseu de Lisboa abriu oficialmente às dez da noite e albergou o concerto mais festivo do primeiro dia de festival. Outra coisa não se esperaria da anfitriã Merrill Garbus, mentora dos tUNe-yArDs e dona de uma voz vibrante e versátil. Juntemos esse poder vocal à sua infalibilidade na percussão e no ukulele – e essa energia à dos seus companheiros de palco – e encontramos a receita para a primeira explosão de sensações no já bem composto Coliseu.

A desculpa para esta visita vinha selada com o carimbo «Nikki Nack», o novo álbum, lançado em Maio deste ano. E foi com um fruto deste disco, «Stop That Man», que a festa começou. A quatro mãos na percussão, e a três vozes na execução, com Garbus a ser seguida pelas duas meninas do coro e um baixista ritmado. A divertida jornada por «Nikki Nack» – ocasionalmente intercalada com outros temas igualmente festivos como «Bizness» ou «You Yes You» – foi bem-sucedida, mas registou uma surpresa mais agradável do que as outras. «Time Of Dark» fez as honras, apresentando-se como um tema crescente, partindo da calma à efusividade tribal das vozes. Sem grandes pausas para descansar as pernas irrequietas, os tUNe-yArDs venceram (em) mais uma exibição.

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22:55, Ateneu Comercial – O Hip Hop tem vindo a ganhar, finalmente, cada vez mais espaço nos festivais de música. O primeiro dia de Vodafone Mexefest foi exemplo claro dessa tendência. Capicua, NBC, Stereossauro, e  Pharoahe Monch subiram aos vários palcos do festival, e trouxeram uma mistura de curiosos à espera de serem conquistados, e amantes da cultura que já o foram há muito tempo. É de Pharoahe que agora falamos. O rapper actuou no Ginásio do Ateneu Comercial sempre a meio-gás, entre alguns fãs que já conheciam de cor as complexas letras do rapper nova-iorquino, e curiosos interessados. A dedicação foi total em concerto com sabor a velha escola (e muitas referências à mesma. A complexidade das letras não tira assertividade aos assuntos, e o caso Michael Brown – adolescente negro morto com seis tiros por um polícia branco, agora ilibado, e que está a gerar centenas de manifestações pelos EUA – foi abordado com a mensagem: «luta contra o ódio com amor». Entre a frontalidade desiludida de «Time2», e a mensagem de esperança de «Broken Again», para quem luta contra o vício, ou contra um coração partido, Pharaoahe deu um concerto de hip hop à antiga, e entre entradas e saídas, estamos certos que terá conquistado mais alguns para a sua causa.

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23h15, Garagem EPAL – Os King Gizzard And The Lizard Wizard têm vinte e poucos anos e 23 mil «gostos» na sua página de Facebook. Ainda são novos por estas bandas, mas vieram do outro lado do mundo – Melbourne, Austrália – para criar o caos na Garagem do EP, bem perto do Ateneu.

Não se deixam parar pelo tempo, nem pelo espaço e, de álbum em álbum, têm vindo a desenvolver as virtudes do rock psicadélico no seu rock experimental. Só este ano, estes sete putos fixes de cabelos compridos e sorrisos simpáticos puseram cá fora dois álbuns, «Float Along ­ Fill Your Lungs» e «Oddments», que vieram dar a conhecer à malta que, por curiosidade ou conhecimento, veio provar o cocktail psicadélico da noite: vozes suaves e distorcidas, guitarras electrizantes, flautas e harmónicas.

Aquele que passará bem como o concerto mais destruidor do primeiro dia encheu rapidamente e deixou certamente alguém à porta. O espaço era pequeno, com ares de improvisado, mas servia excepcionalmente o seu propósito, não passassem bem os King Gizzard And The Lizard Wizard como banda de garagem, daquelas que merecem um concerto íntimo, cheio de saltos e empurrões. Dito e feito. Com a garagem como desculpa, «Head On/Pill» e «Cellophane» fizeram rolar cabeças e deixaram muitas outras vaguear livremente.

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00:12, Coliseu Dos Recreios – Pouco antes da hora marcada para o concerto de St. Vincent, o Coliseu de Lisboa testava os limites das suas capacidades. A cantora era o nome principal do cartaz do festival, e foram muitos os que a quiseram ver, quanto mais não fosse, por isso mesmo. Assim, parece-nos natural o choque com que alguns membros da audiência receberam o concerto da Senhora Annie Clark. As histórias recheadas de surrealismo na procura de «pontos em comum» com a plateia que já tínhamos ouvido no NOS Primavera Sound regressaram, mas não se repetiram. Desta vez, a cantora dizia que todos nós «nascemos antes do século XXI», e tínhamos em comum a tentativa, na infância, de usar no «glorioso sol de Lisboa» para incendiar o nosso bairro. As reacções dividiram-se entre o entusiasmo atento, e perguntas como «o que é que tomaste?», mas St. Vincent não dá tempo. Na sua pose de boneca de porcelana robótica e de sorriso maquiavélico, desvenda as canções como uma peça de teatro, e não descansa. Meio-mulher, meio-guitarra, Annie Clark arrancou com «Rattlesnake» e nunca mais parou. «Digital Witness» e «Cruel» surgem logo ao início, como quem sabe que tem muito mais para dar além do que se podem considerar «trunfos». O que St. Vincent deu, desta vez como em muitas outras, foram guitarras desafiantes e presença avassaladora. «Prince Johnny» mostra o lado mais suave, mas «Huey Newton» a duas velocidades opostas volta a trazer à tona a St. Vincent que não quer ser previsível. «Cheerleader», ainda do álbum «Strange Mercy», é um dos melhores momentos do concerto, cantada entre o sussurro e os braços ao alto em grito comum.

St. Vincent é assim, deita-se no chão, mostra-se frágil, e levanta-se em fúria. Mais de hora e meia de concerto – com o clássico crowdsurfing incluído – passou-se em corrida sem descanso, mas no final, muitos garantiam ainda ter fôlego. Em «Prince Johnny», St. Vincent tira a guitarra como quem se livra de uma arma, e rasteja como se tivesse sido atingida. Tiro certeiro, como sempre.

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